A atividade à distância desde 18 de março 2020 tem sido muito intensa, às vezes cansativa – quando faltam os gestos e os tons para destacar algo em palestras ou discussão de casos com estudantes e residentes, tentando esmiuçar detalhes em um plano bidimensional, embora progressos adaptativos a esta realidade possam ser observados. Tenho ido ao consultório desde outubro como único destino fora de casa. Espaçamento de horários de atendimento. Intermitência de dias, que foram interrompidos na segunda onda para retomada há 2meses. Alguma estranheza com o distanciamento, a máscara desconfortável, o excesso de álcool-gel, mas alguma recompensa quando se sente a interação afetuosa com clientes antigos ou com novos em que haja a percepção de que possa ter sido util.
Hoje pela primeira vez fui a um Shopping com uma finalidade especifica de adquirir novos tênis com vistas a substituir os antigos mais do que gastos neste período, numa modorrenta esteira, a quem, mesmo assim, sou muito grato.
Retorno agora com uma visão impactante de ter entrado em um novo mundo: Dantesco? Futurista? Quadro de Tintoretto?
Poucas pessoas, de máscara, com protocolos rígidos de distanciamento (trata-se de um Shopping sofisticado pelos padrões locais).
Atendimento solícito, contatos impessoais.
Burcas para mulheres e homens.
Nenhuma identificação, como no passado existia ao ponto de ensejar um certo retraimento.
Algo fantasmagórico!
Impressão de desumanização como sentida ao ler “Apocalipse now” ou revisitar o Ray Bradbury em Farenheit 451.
Que seja passageiro!
Fé em que passe.
E a percepção do que seria de mim se não fosse a humanidade que sinto em casa e ao meu redor.
Dr. Gilson Feitosa
Membro Titular e Coordenador do Comitê Científico da Academia de Medicina da Bahia
