Almério de Souza Machado, nasceu no dia 15 de agosto de 1934, na cidade de Salvador-Bahia. Filho de Annita Moreira Machado e Adelmo de Souza Machado. Pertencente a uma família de seis irmãos, sendo eles: Adelnita Moreira Machado, Adelmar de Souza Machado, Adelmo de Souza Machado Junior, Adelmir Moreira Machado, Ângelo de Souza Machado (todos esses também encantados na memória) e seu irmão João de Souza Machado Neto, que leva consigo o nome do seu avô, e exerce atualmente a função de médico Pneumologista/Alergia.
A origem do nome “Almério” foi em uma homenagem ao amigo do seu pai, o general alagoano Almério de Moura, com quem Adelmo tinha vínculos de amizade. Na sua infância estudou durante o curso primário no Colégio Ana Nery, situado no bairro de Nazaré. Já no ano de 1945, começou a estudar no Colégio Secundário “Gymnasio da Bahia”, que atualmente é denominado como Colégio Estadual da Bahia, na época uma escola pública de excelência, frequentada pela elite baiana. (SOUZA, 2019)
Aos dez anos de idade, Almério perdeu precocemente seu pai, Adelmo Machado, médico formado em 1924 na Faculdade de Medicina da Bahia. (TAVARES-NETO, 2008). Ele foi docente da Fameb, tendo exercido as funções como professor de Farmacologia e Botânica, faleceu aos 44 anos de idade, vítima de um infarto no miocárdio. Com essa perda, sua mãe, Annita Machado, com sete filhos, precisou sustentar a sua família. Nesse período, Almério, que ainda estava no Gymnásio da Bahia, mas começou a trabalhar para ajudar sua mãe e seus irmãos. Desse modo, com 15 anos, começou a trabalhar no escritório comercial, atuando nos serviços na Tipografia Beneditina, em Salvador. (SOUZA, 2019)
Aos 19 anos, após ter concluído o secundário, empregou-se como professor estadual no Colégio da Bahia, ministrando a disciplina de Química no período da noite. O interesse pela arte da medicina começou desde criança quando presenciava seu pai, o Dr. Adelmo Machado, fazendo sangria para conter a hipertensão arterial sistêmica, pois naquela época não existia outra alternativa, nem tão pouco medicação. A partir dessa experiência e pelo contato diário com seu pai, então diretor do Hospital Couto Maia e professor da escola mater do Brasil, decidiu seguir seus passos e ingressou no curso de Medicina alguns anos depois, por admiração àquele que sempre estimou.
Em 1953, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia e, desse modo, começou a sua jornada médica. Em 1956, decidiu frequentar o Ambulatório da 3ª Clínica Médica, no Hospital das Clínicas, onde era supervisionado pelo Drs. Osvaldo Vieira, Antônio Vidal, Fernando Nova e Paulo Duarte.
Com essa iniciativa voluntária, presenciou diversas discussões de casos clínicos e, apesar de ser um Ambulatório de Clínica Médica, aparecia nas discussões estudos sobre a Patologia Torácica. Nesse período, o prof. César de Araújo era catedrático de Clínica Médica e Almério tornou-se seu assistente. Posteriormente, realizou o concurso e adquiriu o cargo de interno em 1957. A partir disso, e movido pelo incentivo do seu estimado Mestre Dr. César de Araújo, começou a aflorar o desejo no estudante Almério de aprender sobre Doenças Respiratórias, pois, só na enfermaria de Clínica Médica ocorria internações por Pneumologia não-tuberculosa. (MACHADO, 2007).
Em 1958, formou-se no curso de medicina da Universidade da Bahia, recebendo o diploma do Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. Dr. Rodrigo Argolo.
Fonte: Acervo do Professor Almério Machado ofertado a estudante Laisse Souza.
Em 1959, Almério se tornou Médico Residente de Clínica Médica no HUPES - Hospital Prof. Edgard Santos, o Hospital das Clínicas, Residência essa, instituída pelo prof. Roberto Santos, considerada a segunda estabelecida no Norte/Nordeste. No período de três meses passou pela Enfermaria do Prof. César de Araújo e permaneceu ali durante um ano. Já no segundo ano de Residência preferiu continuar com o Prof. César de Araújo, com curtas pausas para Serviços de Radiologia, coordenado pelo Prof. Fernando Costa de Almeida.
No início de 1960, no segundo período da Residência Médica, Almério foi indicado por César de Araújo para estagiar no Rio de Janeiro, no Instituto de Tisiologia e Pneumologia, sob supervisão dos profs. Henri Jouval e Antônio Ibiapina. Prof. Ibiapina (1904-1964), cearense de Sobral, foi uma das maiores autoridades em Tisiologia em sua época. (ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA, 2020)
Nesse retorno a Salvador, Almério foi convidado para estar no gabinete do Prof. Roberto Santos, onde recebeu a notícia que foi selecionado para uma bolsa de estudos, que o permitiria realizar o Curso de Especialização, no período de 18 meses, na Universidade de Pittsburgh, na Pennsylvania, oferecida pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos da América (EUA). Diante da proposta, Almério ficou muito surpreso por ter sido escolhido e, junto com seus colegas Agnaldo David de Souza,
Ernesto Simões Neto, José de Souza Costa, José Duarte de Araújo e Marco Aurélio de Barros, embarcaram para os EUA. Eles se integraram com os Drs. Luciano Pedreira de Cerqueira, Álvaro Rabello Jr. e Gilberto Rebouças, que já estavam lá (MACHADO, 2007).
Vale registrar que, antes disso, para confirmar a sua ida, Almério recebeu subitamente um telegrama que veio por cabo submarino, que até hoje mantém guardado em suas lembranças. (MACHADO, 2019)
Nesse mesmo período Almério, pediu a mão da sua noiva Marlise em casamento, para que juntos pudessem ir para os Estados Unidos. Com essa proposta, o casamento foi realizado às pressas em uma manhã de sábado na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, localizada em Salvador - BA, e na tarde do mesmo dia, Almério Machado e Marlise, agora já casados, partiram para o Rio de Janeiro, para depois embarcar para Nova York. Durante aproximadamente dois anos Almério e Marlise se mantiveram com a bolsa de estudos proposta para Especialização. Os frutos desse relacionamento foram os filhos Adelmo de Souza Machado Neto e Almério de Souza Machado Júnior - formados em Medicina, Jackeline Moreno Machado – formada em Jornalismo - e Paulo Cesar Machado Costa, filho do coração, formado em Direito.
Almério e Marlise preservam o relacionamento até os dias de hoje. Durante a sua trajetória nos Estados Unidos, passou dois anos estudando Pneumologia na Universidade de Pittsburgh na Pensilvânia, sob direção do Prof. Eugene Robin. Quando já estava concluindo a especialidade, foi para Harvard, Cornell e Filadélfia em serviços de pneumologia, direcionado pela Universidade de Pittsburgh.
Retornando ao Brasil, no ano de 1963, atuou durante um período colaborando com o Prof. Cesar de Araújo. No primeiro ano passou pela enfermaria dos professores Augusto Mascarenhas, Roberto Santos e Adriano Pondé. O Prof. César convidou-o para ser Instrutor de Ensino em Clínica Médica, apresentando-o para o Reitor Alberico Fraga. Entretanto, para exercer esse cargo era necessário fazer uma Prova de Habilitação, com professores catedráticos da unidade universitária, no caso, a Fameb, sendo os seus examinadores os Profs. Augusto Mascarenhas e Roberto Santos.
Conforme nota oficial da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB, sigla; Fameb, acrônimo), notificando seu falecimento, registra que Dr. Almério de Souza “ingressou como docente na FMB em 1962”. (FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, 2022). A nota da Ufba, que nos parece mais correta, refere que ele ingressou em 1963 (UFBA, 2022). Foi no ano de 1963, portanto, que Dr. Almério Machado se tornou Professor de Ensino em Clínica Médica na Universidade Federal da Bahia. O Prof. Dr. César Augusto foi umas das suas grandes inspirações. Trabalhou supervisionando atividades de Pneumologia no Hospital Prof. Edgard Santos, onde o interesse por essa especialidade começou a florescer. Acompanhou o Prof. César nessas atividades até o período que ele veio a falecer, encantando-se aos 69 anos.
Sobre seu grande mestre, assim o prof. Almério o descreve:
O Prof. Cesar foi meu padrinho de casamento e padrinho do meu filho Almério Junior. Ele era um expoente da Clínica Médica na Bahia, além disso era um excelente escritor, escrevia coisas lindas. (MACHADO, 2019)
No ano de 1965, Almério e outros colegas fundaram a Clínica de Atendimento Médico de Emergência, mais conhecida pela sigla ATEMDE e, com os recursos dos serviços prestados, conseguiu comprar um consultório no Centro Médico da Graça no ano 1974, ao qual nomeou como Clínica de Pneumologia Prof. Almério Machado, prestando serviços médicos até os dias de hoje.
Em 1967, Almério coordenou o primeiro curso de Pneumologia, aprovado pelo Conselho Departamental da Faculdade de Medicina da Bahia da UFBA e patrocinado pela 3ª Cadeira de Clínica Médica. No evento foram ministradas aulas pelo Drs. Durval
Olivieri e Pedro Alaim Martins, que faziam parte do núcleo de Pneumologia, mesmo eles estivessem exercendo outras especialidades. O curso teve uma grande aceitação por médicos e estudantes de medicina que buscavam ingressar nessa especialidade. (MACHADO, 2007)
Com a extinção da Cátedra no ano de 1970, após a Reforma Universitária, o mestre passou de Professor Catedrático para Professor Titular. Nesse período, ocorreram diversas mudanças no ensino médico. Nesse período, Almério foi convidado pelo Titular de Terapêutica, Gerson Pinto, para assumir o corpo docente da Disciplina de Pneumologia na FMB - Universidade Federal da Bahia, sendo umas das novidades do novo ensino. Em 1974, com a criação do Departamento de Medicina, Almério foi selecionado novamente para coordenar a disciplina de Pneumologia, que era considerada como uma disciplina optativa. No mesmo ano, entre março a junho, o Prof. Almério foi coordenador do curso de Pneumologia Infantil. (MACHADO, 2007)
Em 14 de setembro de 1974, o Prof. Almério esteve presente em uma reunião de especialistas em doenças torácicas em São Paulo, Campos do Jordão. Naquele momento, foi escolhido que o I Congresso Brasileiro de Pneumologia, seria realizado no ano de 1975 em Brasília, sob a Presidência do Dr. Paulo Tavares e Vice-Presidência do Dr. Almério Machado. Como previsto, em 1975 ocorreu a I Jornada de Pneumologia e II Congresso Brasileiro de Pneumologia. Nesse evento, Almério foi eleito como Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia.
Ainda no ano de 1975, coordenou o Curso de Extensão Universitária do Departamento de Medicina (FMB-UFBA), designado de “Atualidades em Pneumologia” tendo a participação dos Profs. Octávio Ratto, Jesse Teixeira, José Silveira e Álvaro Rabello Júnior, além dos discentes da disciplina de pneumologia da Faculdade de Medicina da Bahia. (MACHADO, 2007)
Nesse mesmo ano, aos 41 anos de idade Almério precisou desacelerar o ritmo de atividades, devido ao agravo acometido em sua saúde por um infarto no miocárdio, ocasionado entre outros fatores pelo excesso de compromissos no trabalho tanto de médico como de professor. Almério estava precisando de mais tempo para cuidar da saúde. Todo o tratamento, foi realizado em sua residência e não teve nenhuma complicação. Com isso, no mesmo ano já estava apto para receber a nomeação de Chefe do Primeiro Ambulatório de Pneumologia da Secretária de Saúde do Estado da Bahia, criado pelo Dr. Roberto Simon Filho, Diretor do Hospital Getúlio Vargas, exercendo essa função por aproximadamente um ano.
No ano de 1976, Almério foi presidente do II Congresso Brasileiro de Pneumologia e da I Jornada Internacional de Pneumologia, que aconteceram em Salvador–BA, simultaneamente. Foram convidados grandes mestres nacionais e dez professores internacionais de renome em Pneumologia, como por exemplo, os professores Eugene Robin, Robert Fraser, Paul Sadoul, Lynne Reid, John e Tessa Hedley-White dentre outros, para proferir em cursos, colóquios, aulas, conferências etc. O Prof. Roberto Santos era o Governador da Bahia e prestou toda a assistência para a realização do Congresso, que teve duração de seis dias. Esse evento foi considerado precursor na consolidação da Pneumologia na Bahia e no Brasil. (MACHADO, 2007)
Com o sucesso do II Congresso Brasileiro de Pneumologia, Almério funda no ano de 1976 a Sociedade de Pneumologia da Bahia, sediada no Hospital das Clínicas (Hupes). As reuniões aconteciam uma vez por semana no turno da noite, envolvendo discussões de casos clínicos e assuntos relevantes sobre essa especialidade. Exerceu durante seis anos o cargo de Presidente, recebendo algumas homenagens da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, pelos serviços prestados a essa especialidade. Essa Sociedade perdura até os dias de hoje. Em 1977, a Secção Regional da Sociedade Brasileira é transformada em Sociedade de Pneumologia da Bahia e Dr. Almério assume o posto de Presidente com mandato de 2 anos, onde aconteceu o II Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia. Nesse mesmo ano, Almério, com o prestígio de ser o primeiro Especialista em Pneumologia da Bahia, esteve na Itália no III Congresso Europeu de Doenças do Tórax, promovido pela Academia Internacional de Medicina e Cirurgia do Tórax, coordenando Mesas Redondas sobre o Tratamento de Hemoptises Severas e Repetidas, entre outros temas. Já no ano de 1978, Almério representou a Bahia no XIII Congresso Mundial de Doenças do Tórax, no Japão em Kyoto, apresentando o painel sobre tuberculose e o trabalho sobre “Isoniazida e Hepatite”. (MACHADO, 2007)
Em 1993, Almério exercia a função de Prof. na Universidade Federal da Bahia e teve outro infarto agudo no miocárdio, precisando se internar com urgência no Hospital Português. Os professores Agnaldo David Souza, Armênio Guimarães e José Antônio de Almeida Souza concordaram em remover Almério para o Hospital do Coração em São Paulo, onde no dia seguinte a sua chegada à noite, foi operado de urgência pelo Prof. Sergio Oliveira, para a revascularização. O Dr. Almério atribuiu o seu segundo infarto mais uma vez ao excesso de trabalho, estresse e falta de exercício, juntamente com fatores hereditários. Depois dessa intervenção médica, o Prof. Almério nunca mais apresentou problemas relacionados ao coração.
O prof. Almério foi Chefe do Departamento de Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia, por oito anos intercalados, nesse período dirigia as sessões administrativas e clinicas no Hospital Prof. Edgard Santos (Hupes), onde foram discutidos casos clínicos e conferências com professores do Departamento e convidados de outras Universidades.
Durante 29 anos, Dr. Almério exerceu atividades acadêmicas como Professor da FMB da Universidade Federal da Bahia, quando completou 30 de profissão, poderia ter desfrutado da sua aposentadoria, mas o prazer de lecionar o fizeram continuar no ofício, ministrando aulas até os 70 anos de idade, nesse período foi obrigado a se aposentar pela compulsória.
O desejo de voltar a lecionar fez com que, Almério se dirigisse ao Chefe do Departamento de Medicina, o Dr. Albino Eduardo Machado Novaes, a fim de solicitar uma autorização para continuar ministrando aulas voluntariamente. Continuou por mais dois anos, somando ao todo 43 anos de docência na UFBA. Muita gente sabendo que Dr. Almério tinha se aposentado, ficava surpresa ao vê-lo nas salas de aula, Dr. Almério sempre bem-humorado respondia que estava saindo aos pouquinhos, ou melhor se desmamando, até que, em 2004, encerrou suas atividades acadêmicas na Universidade Federal da Bahia.
Concomitantemente, Dr. Almério recebeu um convite da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), para ministrar aulas nas disciplinas de Pneumologia e Clínica Médica, substituindo o Prof. José Silveira. Dr. Almério passou onze anos dando aula na EBMSP no Departamento de Clínica Médica, chefiado pelo Prof. Mario Augusto Castro Lima.
No ano de 2013 o Prof. Almério tomou posse na Academia de Medicina da Bahia e, em 2015, foi reeleito por mais dois anos, sendo honrado no último dia do mandato com uma foto na galeria dos Ex-Presidentes da AMBA, em sua sede na Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus. (ACADEMIA DE MEDICINA DA BAHIA, 2019)
O mestre atuava em hospitais públicos, com destaque para os vinculados as Obras Sociais de Irmã Dulce (OSID), atuando desde 1970 até 2002. (UFBA, 2022).
Dr. Almério, médico de uma Santa: Irmã Dulce
Um dos fatos marcantes da carreira do Prof. Dr. Almério foi o fato de ter sido médico de Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes (26/05/1914-13/03/1992), ou melhor, de Irmã Dulce durante uma década. A primeira vez que ela esteve no Consultório Médico da Graça foi por volta de 1974. Nesse período, não apresentava aparentemente nenhum sinal de alerta, mas Dr. Almério, com toda a sua experiência, observou que Irmã Dulce tinha um grave problema respiratório comprovado por exames radiológicos, bem como os exames bacteriológicos do escarro (baciloscopia e cultura). A princípio, o Dr. Almério suspeitou que Irmã Dulce tinha o diagnóstico de tuberculose, pelo fato de ter sido cliente do tisiologista Dr. José Silveira. Com isso, Dr. Almério perguntou à família se Irmã Dulce já tinha sido acometida pela doença, pois poderia ter sido uma sequela de tuberculose, já que naquela época não existia Exames de Imagem, para confirmar a suspeita. No entanto, a família negava, talvez, devido ao preconceito existente naquele período com pacientes tuberculosos.
Durante todo o percurso de Irmã Dulce, o Dr. Almério sempre à alertava das suas condições clínicas e dos perigos de se sacrificar pelos doentes, visto que, era acometida de uma saúde muito frágil. O Dr. Almério sempre orientou para Irmã Dulce repousar, mas
Irmã Dulce era uma paciente muito teimosa e mesmo com uma péssima respiração e 35 quilos, não deixava de visitar os doentes e o orfanato em Simões Filho, contra as indicações médicas do Prof. Almério, continuou com suas atividades naquele local. Todos os dias Dr. Almério esteve presente em um pequeno quarto, onde Irmã Dulce repousava sentada sempre a noite, orientando as frequentes visitas que ela costumava receber. Irmã Dulce, recebeu a visita do Presidente da República, José Sarney em 1989, sem seguranças e sem a presença da mídia e Dr. Almério presenciou uma situação inusitada, quando Sarney, ao se despedir de Irmã Dulce, abaixou a cabeça e beijou o pé do “Anjo Bom da Bahia”.
No ano de 1991, Almério demonstrou-se desesperançado com a situação de saúde de Irmã Dulce, que não apresentava sinais de melhora. Houve diversas repercussões nos meios de comunicação, como por exemplo, o pedido do artista plástico Carybé em 1991, que sugeriu uma campanha de comoção popular, para abreviar a vida de Irmã Dulce, desligando todos os aparelhos. Diante disso, Almério escreveu um prontuário mostrando que Irmã Dulce já não apresentava nenhum sinal de melhora, no entanto a família insistiu que fizesse de tudo e o impossível para manter Irmã Dulce com vida. Como grande médico ético, decidiu aceitar a escolha da família.
Irmã Dulce nunca conversou sobre a escolha de sua partida com o seu estimado médico. Nos seus últimos dias, Almério presenciou Irmã Dulce sentindo muita falta de ar, pois seus dois pulmões já estavam comprometidos. Dr. Almério visitava Irmã Dulce
no Hospital Santo Antônio diariamente, demonstrando toda a sua entrega e amorosidade nos seus serviços.
Em 15 de agosto de 1991, o Dr. Almério recebeu um pequeno bilhete de Maria Rita Pontes, sobrinha de Irmã Dulce, assinado também pelas irmãs da futura Santa: Dulcinha (Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes) e Ana Maria Lopes Pontes, agradecendo por todos os cuidados que estava prestando e por sua dedicação com a Irmã Dulce ao longo de todos os anos. Dulcinha é mãe de Maria Rita, que se tornou Superintendente da Osid.
“Muito querido Dr. Almério:
Seria muito difícil buscar palavras que expressassem todo nosso carinho, amizade e gratidão por tudo que o senhor tem feito pela nossa Irmã Dulce. Toda a sua dedicação, vindo sempre de manhã cedo, sem falhar um dia.
Em nome da Irmã Dulce, aceite essa lembrança, escolhida com muito carinho para marcar as horas felizes de sua vida.
Maria Rita, Dulcinha e Ana Maria” (15/08/91)
No ano de 1991, Dr. Almério estava nos Estados Unidos com sua esposa Marlise, para passar Réveillon em Nova York, quando recebeu um telefonema avisando que Irmã Dulce havia sido internada na urgência do Hospital Português. Dr. Almério retornou imediatamente para o Brasil, verificando que, no Hospital Português, não tinha os equipamentos que Irmã Dulce necessitava, pois, o principal problema de Irmã Dulce era fruto de um grave quadro respiratório. Com isso, Irmã Dulce foi transferida para o Hospital Aliança. O proprietário do Hospital Aliança, Paulo Sérgio Tourinho, comprou um aparelho respirador e posteriormente doou para o quarto de Irmã Dulce, que já se alimentava com sonda e não respondia aos estímulos.
Durante esse período, o Dr. Almério constatou que Irmã Dulce estava com uma infecção gravíssima respiratória pela bactéria Pseudomonas aeruginosa. Diante desse quadro, o laboratório alemão Boehring tinha lançado um antibiótico (uma quinolona recém descoberta) para o combate dessa bactéria e ofereceu gratuitamente toda a medicação, inexistente no Brasil para o tratamento do “Anjo Bom da Bahia”.
A partir disso Dr. Almério, constatou uma melhora significativa do quadro de Irmã Dulce. A brasileira Mercedes, que morava na Califórnia (EUA), grande admiradora da Irmã Dulce, durante anos doava todos os medicamentos apropriados para a doença de Irmã Dulce.
Em 1991, Mercedes convidou um médico da Universidade do Arizona, no intuito de opinar sobre a enfermidade de Irmã Dulce, porém o americano examinou Irmã Dulce e não acrescentou nada no diagnóstico, confirmando a eficácia do tratamento que Dr. Almério já havia iniciado.
No estágio gravíssimo, Dr. Almério acompanhou Irmã Dulce durante 16 longos meses, quando foi acometida por diversas complicações, tais como problemas nos rins, problemas nos ossos, pelo fato de ficar deitada, e não poder se mover, resultando em várias fraturas espontâneas.
Entre as visitas ilustres, Irmã Dulce recebeu o Papa João Paulo II, em outubro de 1991. Nesse período, Irmã Dulce estava bem debilitada. Inclusive, quando o Dr. Almério avisou que o Papa estava ao lado do seu leito, Irmã Dulce reagiu abrindo apenas os olhos e fechando logo em seguida, demonstrando o quanto estava fragilizada pela doença. Essa foi umas das suas últimas ilustres visitas.
No dia 13 de março de 1992, com pesar, Dr. Almério recebeu a missão de comunicar a notícia que todos temiam: o falecimento de Irmã Dulce por uma parada cardiorrespiratória decorrente de fibrilação atrial paroxística. Houve uma comoção nacional. Dr. Almério prestou toda a solidariedade aos familiares e amigos da sua paciente e estimada amiga, o Anjo Bom da Bahia.
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Dr. Almério se sentia realizado por ter sido o único Médico do Brasil, que prestou seus serviços permanentes a uma Santa. O mesmo, nunca imaginou que a Irmã Dulce iria ser canonizada, porém afirmava que ela é o seu maior exemplo de bondade humana.
Em 2019, com aos 85 anos, Prof. Almério deu uma entrevista à uma aluna, Laisse Souza, da disciplina História da Medicina da FMB-UFBA, e, segundo Laisse, um dos autores deste texto, ele apresentava o mesmo entusiasmo e fervor de sua mocidade. (SOUZA, 2019)
Cabe ainda destacar que Dr. Almério Machado pertenceu como membro várias instituições estrangeiras, tais como, o American Thoracic Society, a European Respiratory Society e o American College Of Chest Physicians (Colégio Americano de Médicos de Peito [tórax]). Seu compilado de escritos acadêmicos contabilizou mais de 50 produções significativas. Participava assiduamente de diversos congressos, conferências e seminários. Dentre os diversos títulos, Dr. Almério se sentia lisonjeado por ter sido eleito em votação - por aclamação - como Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia, em 2009. (MACHADO, 2019; UFBA, 2022)
Sempre era homenageado, internacionalmente e nacionalmente por todas as suas colaborações no desenvolvimento da especialidade e, por ter sido um professor sensível e dedicado, foi destaque em diversas turmas, onde colecionou os títulos de Paraninfo, Patrono e Mestre Amigo.
Na Academia de Medicina da Bahia - AMBA, uma das entidades médicas que ele mais se dedicou, foi Titular da Cadeira 23, cujo Patrono é Frederico de Castro Rebelo, depois foi membro Emérito e, por duas vezes, destacado e querido Presidente.
Fig. 9. Prof. Almério Machado de pelerine e medalha com a Família na solenidade da aposição do seu quadro na Galeria dos Presidentes da Academia de Medicina da Bahia. Sua esposa Marlise, Almério Júnior, também médico, o pai e a filha Jaqueline, jornalista. Sede na FMB, Terreiro de Jesus, 2019
Professor Almério de Souza Machado se encantou em 17 de julho de 2022, às 23h15. A família solicitou que, em sua homenagem, em vez de coroas de flores, fizessem doações às Obras Sociais de Irmã Dulce – OSID. (UFBA, 2022)
Em belo texto póstumo, sua filha Jaqueline Moreno Machado (2022), disse com carinho e cumplicidade que foi para a despedida dele “vestida com a camisa listrada que você me deu”. Registra que ambos escreveram um livro a ser publicado para ajudar a OSID. E concordando com suas palavras de filha amada, sim, ele agora vive encantado “com asas e estrelas do mar”. Almério de Souza Machado se tornou um “legado”.
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Referências
ACADEMIA DE MEDICINA DA BAHIA (AMBA). Aposição do quadro de Almério de Souza Machado antecedendo a cerimônia de transmissão da presidência da Academia de Medicina da Bahia para Antônio Carlos Vieira Lopes. Salvador, 12 mar. 2019. Disponível em: https://www.academiademedicina-ba.org.br/galeria-de-fotos/galeria-de-fotos/2019/03/12/aposicao-do-quadro-de-almerio-de-souza-machado-antecedendo-a-cerimonia.html. Acesso em: 25 jul. 2022.
ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA (ANM). Antônio Ibiapina. Cadeira n. 55. Patrono José Octávio de Freitas. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em:
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. Nota de Pesar – Almério de Souza Machado. FMB-UFBA. Salvador, 18/07/2022. Disponível em:
MACHADO, Almério de Souza. A História da Pneumologia na Bahia. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, v. 77, n. 2, p. 195-209, 2007.
MACHADO, Almério de Souza. Entrevistas concedidas a Laisse Antonia Cardoso de Souza. Salvador, 24 out.; 14 nov. 2019.
MACHADO, Almério de Souza. Currículo do Sistema Lattes. Disponível em:
MORENO MACHADO, Jacqueline. “Papai...”. Texto póstumo. Enviado pela autora para o Presidente da Academia de Medicina da Bahia. Salvador, 18 jul. 2022.
SOUZA, Laisse Antonia Cardoso de. O médico ilustre: Almério de Souza Machado. Trabalho de Conclusão de Disciplina (TCD): História da Medicina – MED B92. Faculdade de Medicina da Bahia-Ufba. Salvador, 2019.
TAVARES-NETO, José. Formandos de 1812 a 2008 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Feira de Santana-BA: Academia de Medicina de Feira de Santana, 2008.
UFBA. Almério de Souza Machado. Nota de Pesar. Ufba em Pauta, Salvador, 18 jul. 2022a. Disponível em: < https://www.ufba.br/ufba_em_pauta/almerio-de-souza-machado-nota-de-pesar > Acesso em: 18 jul. 2022 UFBA. Gabinete da Reitoria. Universidade Federal da Bahia lamenta o falecimento do médico e professor emérito da UFBA Almério de Souza Machado. Salvador, 18 jul. 2022b. Disponível em: https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=rm&ogbl#inbox/FMfcgzGpGwrDLcLtDfftscLqBxRvJgSG Acesso em: 18 jul. 2022
Para citar este texto: SOUZA, Laisse Antonia Cardoso de; JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. Eterno Presidente da AMBA.
O médico ilustre: Almério de Souza Machado. Salvador: Academia de Medicina da Bahia, 27 jul. 2022.