Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Luiz Antônio Rodrigues de Freitas
Luiz Antônio Rodrigues de Freitas
Membro Titular
17/12/2017
20:00
Saudação proferida por Luiz Antônio Rodrigues de Freitas na Solenidade de Posse de Irismar Reis de Oliveira na Academia de Medicina da Bahia
  • Exmo. Senhor Professor Dr. Antônio Carlos Vieira Lopes, Presidente da Egrégia Academia de Medicina da Bahia
  • Exmo. Senhor Professor Dr. Almério de Souza Machado, expresidente da Academia de Medicina da Bahia
  • Exmo. Senhor Professor Doutor Geraldo Leite, Membro Emérito da Academia de Medicina da Bahia
  • Exma. Senhora Professora Doutora Suani Tavares Rubim de Pinho, Chefe de Gabinete da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, representando o Magnífico Reitor, Professor João Carlos Salles Pires da Silva
  • Exmo. Prof. Dr. Walber Menezes, vice-diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, membro titular da Academia de Medicina da Bahia, representando o Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, o Prof. Dr. Luís Fernando Fernandes Adan
  • Exmo. Doutor Jorge Cerqueira, Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins
  • Exmo. Secretário Geral da Academia de Medicina da Bahia, Professor Dr. Roberto José da Silva Badaró.
  • Sra. Maria Bomfim de Oliveira, Dra. Mônica Gonçalves Ribeiro, Patrícia Oliveira, mãe, esposa e filha, respectivamente, de nosso novo confrade.
  • Minhas confreiras e meus confrades
  • Senhores e Senhoras

Hoje tenho a honrosa missão de saudar o Confrade Irismar Reis de Oliveira, primeiro ocupante da Cadeira 49, cujo Patrono é o saudoso mestre, Prof.Álvaro Rubim de Pinho, estrela das maiores da Psiquiatria Brasileira, de quem tive o privilégio de ser aluno e desfrutar de aulas memoráveis no velho Hospital Prof. Edgar Santos.

Foi com imensa alegria que aceitei o convite de Irismar para cumprir esta etapa do ritual de sua iniciação neste sodalício. Sinto-me muito honrado e convencido de que essa escolha se deve à amizade, ao apreço e ao respeito que temos um pelo outro. Fomos contemporâneos na Faculdade de Medicina da Bahia e desde essa época nos tornamos amigos. Juntos, trabalhamos, ele interno e eu aspirante, no Hospital Couto Maia, de doenças infecciosas. Eram os plantões das quartas-feiras, sob a chefia de Dr. Paulo Malbouisson. Lembro-me do entusiasmo de Irismar no atendimento aos pacientes no ambulatório e nas enfermarias. Discutíamos os casos entre nós e com os preceptores, buscando sempre o melhor para cada paciente. Montávamos vigília para cuidar dos pacientes com tétano, adultos e recém-natos, atormentados por picadas de pernilongos, e constantemente sedados com benzodiazepínicos. Nos revezávamos à noite numa luta muitas vezes inglória diante de um sistema de saúde e assistência muito precários. Irismar inquieto, colecionava eletrocardiogramas de pacientes com difteria e biopsiava músculos de pacientes com leptospirose. Depois, já formados, no tempo de sua residência médica no IBIT, Irismar foi colega de minha esposa Nelmacy e nos encontrávamos com certa frequência. Nos idos de 1983, enquanto morava com minha família em Lyon, fazendo minha formação em Patologia Hepática e Microscopia Eletrônica, no final de uma tarde, talvez de uma sexta-feira, Nelmacy me ligou dizendo: sabe quem está na Estação de Trens Perrache na Velha Lyon? Irismar!. Fui encontrá-lo. Irismar ficou conosco uns poucos dias e depois seguiu para Paris, para, no Hospital Sainte-Anne, fazer cinco anos de formação em psiquiatria. Impressionante sua fluência no francês e mais ainda sabendo que ele aprendera sozinho, através de um curso em discos. Irismar dava uma guinada, a cardiologia perdia um de seus possíveis expoentes, mas a psiquiatria ganharia uma nova estrela, como o tempo pôde confirmar e eu terei o privilégio de narrar. Em 1986, após outra temporada nossa em Lyon, Nelmacy e eu “subimos” a Paris e tivemos uma semana com Irismar, hospedados em seu estúdio de médico residente no Hospital Sainte-Anne. Nós, ele e Barral-Netto nos divertíamos cozinhando, tomando vinhos, e às vezes fazendo incursões na noite da inesgotável Paris. Dessas experiências de vida, consolidou-se uma amizade que dura mais de 40 anos. De volta ao Brasil, fizemos trilhas paralelas. Optamos ambos pela vida acadêmica, ele na Farmacologia e na Psiquiatra, eu na Patologia. Seu desempenho tem sido excepcional e não resta dúvida da decisão acertada da Academia em acolhêlo na imortalidade.

Irismar Reis de Oliveira nasceu em Vitória da Conquista, em 6 de janeiro de 1952, no dia de Reis, daí, o Reis em seu nome. Filho da Sra. Maria Bonfim de Oliveira e do Sr. José Francisco de Oliveira, pessoas simples e honestas, nascidas e criadas no campo. Mudaram-se para Vitória da Conquista, segundo sua mãe, para oferecer aos filhos a escola que não tiveram e uma vida melhor. Tornaram-se comerciantes explorando a atividade hoteleira. O Hotel Livramento começou como uma simples pensão, sofrendo reformas e ampliações ao longo de décadas. Irismar tem o privilégio de contar com a presença de sua mãe nesta solenidade. Seu pai cumpriu seu ciclo há 7 anos. Maria das Graças de Oliveira David, sua única irmã, é formada em ciências contábeis e continua a atividade hoteleira da família em Vitória da Conquista, onde se ocupa do melhor hotel da cidade, o Livramento Palace Hotel, uma ramificação do Livramento Hotel. Irismar viveu em Vitória da Conquista até os 14 anos de idade, morando no hotel de sua família. Em Vitória da Conquista, iniciou sua educação formal. Primeiro na Escola São José, da Professora Helena, e depois na escola do Professor Antônio Moura, onde concluiu o curso primário. O curso ginasial foi feito no Colégio Batista Conquistense até a terceira série e concluído em Salvador, no Colégio 2 de Julho. Nesse colégio cursou também o colegial. Ele se diz portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade do tipo desatento e atribui a isso suas dificuldades escolares iniciais e a repetição do segundo ano primário. Magicamente, ao mudar de escola para fazer o quinto ano primário, encontrou um professor que o estimulou muito e ele passou a ser um dos melhores alunos da escola, continuando no ginásio. Interessou-se por literatura, transformou-se em voraz leitor solitário e aprendeu inglês com facilidade. No Colégio 2 de julho, ganhou uma competição e foi premiado com uma bolsa de estudos no Instituto de Estudos Califórnia. Concluiu o curso em 3 anos, foi o orador da turma e contratado professor de inglês do IEC, onde ensinou por 4 anos.

Em 1972, ingressou na Faculdade de Medicina da UFBA, mas na metade do primeiro ano, decepcionado com o curso, abandonou-o e regressou a Vitória da Conquista. No ano seguinte, após novo vestibular, retornou ao curso de medicina e o concluiu após 6 anos, em 1978. Irismar tem quatro filho. Três são frutos de seu primeiro casamento com Maria Cristina Haun, médica ginecologista, radicada em Itabuna: Uirá, de 37 anos, fez formação em Ciências da Computação e vive em Portugal. Ivo, de 32 anos, formado em música, é tenor profissional na Basiléia, Suíça, e Olívia, de 31 anos, é médica intensivista em Toronto, no Canadá. Irismar foi capaz de mostrar a seus filhos que somos cidadãos de um mundo que vai muito além dos limites entre os Faróis da Barra e Itapuã. Casado há 26 anos com Mônica Gonçalves Ribeiro, médica geriatra, têm um filha, Patrícia, de 24 anos, estudante de arquitetura na UFBA. Irismar tem a felicidade de ver os filhos de seus filhos: é avô de Daniel, de 6 anos, filho de Uirá.

Irismar, desde muito cedo, pensou na psiquiatria como profissão. As primeiras influências surgiram na adolescência, em Vitória da Conquista, quando iniciava o curso ginasial. Conta ele em seu Memorial para Professor Titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Bahia que Arthur Harry Chapman, professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade do Kansas, radicado em Vitória da Conquista e pai de sua amiga Miriam Chapman-Santana, autor de mais de 16 livros e de trabalhos publicados com importantes psiquiatras americanos (como John Davis), deve ter plantado as primeiras sementes de seu interesse por essa área. Na época da Faculdade de Medicina, aproveitava as idas a V. da Conquista para assistir às reuniões e aulas organizadas por ele no Hospital Afrânio Peixoto. Ainda no ginásio, interessava-se por autores como Erich Fromm e Karen Horney, conhecendo bem seus livros. Decidiu fazer medicina para ser psiquiatra e se dedicar à psicanálise. 

No curso médico, ficou desiludido com a forma como o curso era ministrado e com a desmotivação dos professores. Apesar disso, identificou entre eles alguns modelos de mestres: Prof. Luiz Fernando Macedo Costa da Fisiologia pela didática; Prof. Zilton Andade pela organização do departamento e por sua produtividade científica; Prof. Heonir Rocha, como modelo completo do professor, médico e investigador. Foi monitor de farmacologia e, estimulado pelo Prof. Penildon Silva, ministrava aulas teóricas e práticas sob sua supervisão para alunos do curso de medicina. Impressionou o mestre com sua aula sobre corticosteróides e foi convidado por ele, ainda estudante, para escrever o capítulo sobre esse assunto no conceituado livro de Farmacologia do Professor. Estava selada a sorte de uma etapa de sua vida: o futuro professor de Farmacologia estava se amalgamando. Prof. Penildon foi seu mentor, definido por ele próprio como seu pai intelectual e condutor em diferentes momentos de sua formação. 

A desilusão foi maior com a forma como era tratada a doença mental. Os hospitais psiquiátricos e as difíceis condições de assistência aos doentes o fizeram abandonar o projeto de tornar-se psiquiatra e buscar outras áreas de interesse na medicina. Dedicou-se no internato às doenças infecciosas e à pneumologia. 

A psiquiatria foi deixada de lado, pelo menos momentaneamente. Decidiuse pela pneumologia no IBIT, sendo aprovado em primeiro lugar no concurso para a Residência em doenças do tórax que contemplava a formação em pneumologia e cardiologia. Seguiu o programa de Residência por um ano e meio, sob supervisão dos Professores Antônio Carlos Moreira Lemos e Antônio Carlos Coelho, mas insatisfeito com as especialidades decidiu abandonar a Residência e se dedicar, em regime de dedicação exclusiva, ao Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências da Saúde onde atuava como professor colaborador desde o inicio da Residência Médica. Foi promovido de colaborador para professor assistente em regime de tempo integral e dedicação exclusiva.

Ainda na Residência, viu despertar outra vez o interesse pelas questões psicológicas. Frequentou, entre 1979 e 1980, um grupo de psicoterapia sob a tutela de Luiz Córdoba, psicanalista portenho evadido do golpe militar argentino. Entre janeiro de 1981 e julho de 1983, submeteu-se a psicanálise individual com Solange Matos, psicanalista francesa, e nos dois anos e meio que antecederam sua ida para a França, fez formação analítica com Urânia Tourinho e Aurélio Souza Filho. 

Em agosto de 1982, de Alberto Teles de Rezende, psiquiatra recémegresso do Programa de Residência de Psiquiatria da UFBA, aceito no serviço do Professor Pichot na França, tomou conhecimento do Certificat d’Études  Spéciales (CES), um curso de formação em especialidades médicas na França. No ano seguinte, estimulado pelo Professor Rubim de Pinho e munido de uma carta de apresentação dele em francês, foi aceito por Prof. Pierre Pichot para iniciar seu CES em Psiquiatria na Université René Descartes, Paris V, no ano letivo que se iniciava em setembro de 1983. O Programa consistia em estágio em enfermaria pelas manhãs e aulas às tardes. Os cursos eram anuais e distribuídos ao longo de quatro anos. Havia um exame pré-probatório ao término de três meses e um exame probatório após um ano. Para a conclusão do curso, era necessária a defesa pública de um Mémoire, semelhante a uma dissertação. 

Em Paris, após cinco anos de processo psicanalítico e formação em psicanálise, decidiu, diante de suas características pessoais, temperamento e aptidões, abandonar a ideia de ser psicanalista, e ser um psiquiatra clínico.

Sua formação na França teve forte influência do Professor Pichot que à época, apesar de presidente da Associação Mundial de Psiquiatria, era presença marcante no serviço. Sob a supervisão do Prof. Pichot, permaneceu por 2 anos. Relembra que teve sorte de chegar à França no momento em que figuras importantes da psiquiatria europeia ainda estavam atuantes: Pierre Deniker, introdutor da clopromazina e iniciador da psicofarmacologia, era o diretor do curso de psiquiatria da Universidade René Descartes. Pierre Pichot, chefe do Serviço da Clinique des Maladies Mentales et de l’Enceféle, foi substituído por Prof. Samuel-Lajeneusse quando de sua aposentadoria em 1986. Peter Berner, Professor Titular de Psiquiatria em Viena, editor-chefe da revista Psychopathology, passou seu ano sabático de 1987 na Clinique des Maladies Mentales et de l’Enceféle, ministrando seminários semanais de psicopatologia baseado em seu livro Critères diagnostiques pour les psychoses schizophréniques et affectives. 

Sua formação especializada em Psiquiatria na França constou do Curso de Psiquiatria (Certificat d’Études Spéciales) na Faculté de Medicine Cochin Port-Royal da Universidade René Descartes, Paris V, de outubro de 1983 a fevereiro de 1988. Este curso, com defesa pública de um Mémoire, intitulado “L’apport des dosages sanguins des antidépresseurs polycycliques au traitement des dépressions: revue de la literature et proposition d’une méthode d’évaluation de la qualité des études," deu-lhe o título de especialista em psiquiatria válido na França e foi reconhecido como mestrado na UFBA. De abril a setembro de 1985, foi estagiário remunerado de Psiquiatria com funções de residente no Serviço da Clinique des Maladies Mentales et de l’Enceféle no serviço de Prof. Pichot. Foi Médico Residente Estrangeiro de Psiquiatria no Serviço do Dr. Roger Ropert do Centre Hospitalier Sainte-Anne de outubro de 1985 a setembro de 1987 e Médecin-Attaché Associé com atividades de pesquisa no serviço do Prof. Bertrand Samuel-Lajeunesse na Clinique des Maladies Mentales et de l’Enceféle de outubro de 1987 a fevereiro de 1988. Na avaliação de si próprio, Irismar comenta que seu ingresso no universo da pesquisa científica se deu tardiamente. No período da Faculdade de Medicina, não teve oportunidade de trabalhar com os poucos professores que faziam pesquisa. Foi incitado pelo Prof. Penildon Silva a escrever um capítulo em seu livro de Farmacologia, e sem dúvida isso foi um passo importante no exercício de leituras críticas da literatura médica. Foi na França que a videira aguçou gradativamente o espírito crítico e aprontou-se para produzir os melhores vinhos. O primeiro projeto de dissertação era avaliar a utilidade da clonidina em baixas doses no tratamento da mania aguda, mas frustrou-se pela escassez temporária de pacientes com esse quadro. Conta que, ao se preparar para escrever mais um capítulo para o livro de Farmacologia do Prof. Penildon, sobre antidepressivos, foi questionado por um psiquiatra francês se existiria associação entre os níveis sanguíneos dos antidepressivos e a resposta clínica. Estava dado o mote para uma profícua atividade de pesquisa em torno do tema. O assunto rendeu-lhe o “Mémoire” e a publicação de três trabalhos em importantes revistas de circulação internacional, baseado emrevisões críticas da literatura. Conta que um grave erro no uso da estatística, não percebido pela banca examinadora, mas que lhe encheu de vergonha, o incitou a se aprofundar no estudo da estatística. Matriculou-se no curso do Prof. Schwartz, e foi fundo na matéria. Ao voltar ao Brasil, tornou-se referência na área médica em estatística, ministrando cursos em programas de pósgraduação da UFBA e participando de pesquisas científicas no desenho de experimentos e suas avaliações. Ainda nessa fase, tomou conhecimento de meta-análise, um modelo de pesquisa baseado na análise criteriosa de trabalhos publicados na literatura que visa, através de ferramentas estatísticas, validar ou não um conjunto de dados publicados a partir de diferentes estudos. 
Dessas incursões no “novo mundo” da estatística, surgiu um expert em metaanálise, resultando em várias publicações pessoais, em colaboração com outros pesquisadores, em níveis nacional e internacional, e na orientação de diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Disposto a validar os resultados de suas pesquisas bibliográficas, não hesitou em utilizar modelo experimental para testar as hipóteses levantadas em seus estudos da literatura entre a relação entre níveis sanguíneos de antidepressivos e seus efeitos. Realizou todas as etapas do estudo experimental em ratos e concluiu publicando dois artigos científicos, um deles no Psychopharmacology.

O Psiquiatra Clínico forjado na França, o berço dos ensinamentos de semiologia, patologia e clínica psiquiátricas encontrava assim o farmacologista da Bahia.|

Ao retornar ao Brasil em março de 1988, reassumiu suas funções de Professor Assistente de Farmacologia no Departamento de Bio-regulação do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA. Assumiu a chefia do Departamento e, com nosso saudoso amigo Emilio de Castro e Silva, criaram o biotério e as condições básicas para continuar fazendo pesquisa. Juntos produziram os primeiros trabalhos em colaboração: ele mais diretamente interessado em psicofarmacologia, estudando experimentalmente a associação de nortriptilina e fluoxetina, e Prof. Emílio, a importância da integridade dos receptores betaadrenérgicos e serotoninérgicos centrais na resposta ao estresse crônico. A associação com Emilio Silva e Josmara Fregoneze na criação do Laboratório de Neurociências do Departamento de Bio-regulação do ICS consolidou as atividades de pesquisa naquele Instituto que se dedicava apenas às atividades didáticas. Atraíram estudantes de iniciação científica e de pós-graduandos quando criaram a pós-graduação em neuropsiquiatria como área de concentração do Programa de Pós-graduação em Medicina. A quantidade de publicações em conjunto dos três e outros eventuais autores é significativa: mais de 20 trabalhos em revistas de circulação internacional. Talvez a última colaboração direta com esse grupo, envolve a tese de doutorado de Mônica Gonçalves Ribeiro, sua esposa, na qual ela demonstraria que a expressão do protooncogene c-Fos identificava áreas cerebrais ativadas em resposta à nortriptilina, no formato de janela terapêutica identificado nos pacientes. Este trabalho foi publicado no Molecular Psychiatry, à época jornal com fator de impacto superior a 15, o maior da psiquiatria mundial. 

Irismar sempre foi um “individuo de múltiplas capacidades e interesses,” como o definia o amigo Emílio de Castro e Silva. Além das atividades no Laboratório de Neurociências, passou a se dedicar ao tratamento farmacológico do alcoolismo. Criou o ambulatório de dependência do álcool no HUPES. A avaliação dos resultados da associação carbamazepina-buspirona, numa época que era quase um tabu a abordagem farmacológica do problema, rendeu-lhe a publicação de trabalhos em revistas de grande circulação, inclusive internacional (Journal of Clinical Psychiatry). Obteve com o projeto seu primeiro estatuto de pesquisador do CNPq, mas nada de recursos para a pesquisa. Mas não desistiu, obteve financiamento dos Laboratórios Novartis e Bristol que produziam as drogas.

Em sua trajetória acadêmica, o Prof. Irismar galgou todos os degraus: de 1992 e 1995, conclui o doutorado no Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA, com a tese “Associação entre níveis sanguíneos dos antipsicóticos e resposta clínica: meta-análise sobre a questão da janela terapêutica, orientada pelo Prof. Carlos Alfredo Marcílio de Souza.

Em 1999, obteve a Livre Docência defendendo a tese “Associação entre níveis sanguíneos do haloperidol e resposta clínica: meta-análise dos estudos publicados. Em 1999, chegou a Professor Titular do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA (atualmente, Departamento de Neurociências e Saúde Mental), depois de atuar com Professor do Departamento a partir de 1996. Foi o titular de 2000 a 2009, até se aposentar.

Na atuação como Professor Titular, Irismar foi proativo. Traçou metas muito bem definidas e as cumpriu largamente. Obteve recursos extraorçamentários junto ao CADCT, atual FAPESB, para a reforma e modernização da enfermaria 3B de Psiquiatria, que se encontrava em situação precária. Adquiriu equipamentos modernos de eletroconvulsoterapia, único em serviço público na Bahia. Criaram-se ambulatórios específicos no serviço: Transtornos psicóticos; do humor; de ansiedade; alimentares e Psicoterapia cognitiva. Apoiou os Profs. Domingos Coutinho e Antônio Rabelo na instalação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Garcia, estendendo a oferta de assistência além dos limites do Complexo HUPES.

Prof. Irismar proveu apoio financeiro para o relançamento da revista Gazeta Médica da Bahia, após um hiato de mais de uma década, e o Prof. Tavares-Neto, Diretor da Faculdade de Medicina, escreveu-lhe: (Slide 15) “Ao Professor Irismar de Oliveira, os agradecimentos da comunidade da FAMEB pelo auxílio financeiro no relançamento da Gazeta Médica da Bahia; sem esse apoio financeiro do Serviço de Psiquiatria, seria impossível essa iniciativa.” 

Assistiu ao crescimento da produção científica do Serviço, consolidada com a chegada dos novos professores Ângela Scippa e Lucas Quarantini, que atuam à frente dos ambulatórios de transtornos do humor e transtornos de ansiedade.

Professor Irismar com justeza orgulha-se de, sob sua supervisão, ter assistido ao crescente emprego da terapia cognitiva como modalidade de cuidado psicoterápico tanto para pacientes internados quanto ambulatoriais, ampliando assim as opções que eram limitadas à psicofarmacologia, à psicanálise e ao psicodrama. Por sua iniciativa, foram oferecidos a psiquiatras e psicólogos quatro cursos de especialização em terapia cognitiva, com encontros mensais e duração de dois anos, perfazendo mais de 400 horas teórico-práticas. O campo de prática era o ambulatório de terapia cognitiva. Depois de uma década de atuação como Professor Titular, optou por sua aposentadoria, aos 57 anos de idade, em agosto de 2009. Seu objetivo era exportar além dos nossos limites geográficos, um novo modelo de terapia cognitiva desenvolvido por ele, denominado Terapia Cognitiva Processual (TCP).

O que é Terapia Cognitiva Processual?
Irismar, em 1998, iniciou sua formação em Terapia Cognitivo- Comportamental pelo Beck Institute for Cognitive Therapy and Research, atual Beck Institute for Cognitive Behavior Therapy and Research. Em 2000, recebeu a certificação em terapia cognitiva por aquele Instituto e juntou-se à Academy of Cognitive Therapy como membro fundador.

Usando sua brilhante inteligência, lançou-se ao aperfeiçoamento de uma abordagem psicoterapêutica muito original desenvolvida por ele para lidar com as cognições que os psicoterapeutas designam de distorções cognitivas e crenças nucleares. Stephen Stahl, autor de importante livro de Psicofarmacologia e best seller mundial, intitulado Stahl’s Essential Psychopharmacology, e Amy Wenzel, em seu Innovations in Cognitive Behavioral Therapy, nos dizem que a terapia cognitiva processual é uma abordagem inovadora, intuitiva, de fácil adaptação por psiquiatras que não são sofisticados terapeutas cognitivo-comportamentais e que pode mesmo ser divertida. Nessa abordagem, o paciente coloca seus sintomas psiquiátricos e suas crenças nucleares em julgamento. A concepção é baseada no romance “O Processo” de Franz Kafka, cujo tema central é a auto-acusação universal (inerente à natureza humana) que leva à confusão, à ansiedade e ao sofrimento existencial. No romance, o personagem Joseph K é detido, posto em julgamento e condenado sem saber de qual crime está sendo acusado. A TCP assume essa verdade universal (auto-acusação) e a coloca diante de um tribunal de júri. Aqui, durante o processo psicoterápico, as auto acusações do paciente são postas em julgamento como cognições distorcidas e crenças nucleares que lhe foram impostas por seu "promotor interno” e assumidas como crenças verdadeiras que lhes fazem sofrer. A terapia cognitiva processual procura mostrar ao paciente que seus sintomas e sofrimentos são devidos a crenças nucleares distorcidas que podem ser combatidas pela ativação de seu "advogado de defesa interior" para assim ver as coisas de forma mais equilibrada e realista, aliviando seus sintomas. Podese argumentar que, quando bem-sucedida, esta abordagem forma um circuito de nova perspectiva do "advogado de defesa interior" para se contrapor e inibir o circuito que medeia a ativação da crença nuclear distorcida do "promotor interno". Na dinâmica do processo, o paciente atua como acusado, promotor, advogado de defesa e jurado.

O sucesso do modelo da Terapia Cognitiva Processual se traduz na publicação de quatro livros de alcance mundial, três deles pela prestigiosa editora Routledge, uma das mais importantes na publicação de temas ligados à terapia cognitiva. Prof. Stephen Sthal convidou-o para publicar com ele o livro “Integrating Psychotherapy and Psychopharmacology: A Handbook for Clinicians” (2014), e logo depois foi convidado pelo braço inglês da Routledge a publicar “Trial-Based Cognitive Therapy: Distinctive Features” (2016) para a “The CBT Distinctive Features Series”, uma das séries mais lidas da editora nessa área.

Absolutamente convencido da dimensão de seu trabalho, tem sido incansável na disseminação da TCP no Brasil e pelo Mundo, através de cursos de curta duração. O curso foi ministrado 25 vezes em diversas cidades
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brasileiras e em 25 cidades fora do Brasil, incluindo várias cidades americanas (Boston, Filadélfia, Los Angeles, New York (9 vezes), Pittsburgh, San Diego, San Francisco, Ventura, além de Panamá, França (Paris, 4 vezes) e Seul, na Coreia do Sul. Alguns desses cursos foram ministrados a convite de reconhecidos “experts” em Terapia Cognitivo-Comportamental, como Donna Sudak nos Estados Unidos. Em 2012, teve a honra de, a convite de Christine Mirabel-Sarron, chefe do setor de terapia cognitivo-comportamental da mesma Clinique des Maladies Mentales et de l’Lencéphale, onde fez sua formação psiquiátrica em Paris. Incansável, em 2013 criou no Tennessee o Trial-Based Cognitive Therapy Institute, LLC.

Em 2014, Irismar decidiu propor um projeto de uso de um modelo psicoterápico que poderia vir a ser uma intervenção preventiva para transtornos emocionais nas escolas. 

O piloto do estudo foi desenvolvido na Escola Municipal Amélia Rodrigues, situada no Tororó, em Salvador-Ba. Embora a princípio reticente quanto aos resultados, pode constatar como os jovens aprendiam facilmente alguns conceitos considerados complexos até para adultos, a exemplo de expressões como “distorções cognitivas” ou “metacognição”. A designação de Treinamento Cognitivo Processual em Grupo (TCP-G) substituiu o termo TERAPIA, já que não havia ali “pacientes”, mas adolescentes presumivelmente normais. Os alunos passaram a ser treinados em quatro estágios distribuídos ao longo do semestre letivo para se tornarem “Detetives da Mente”, “Advogados da Mente”, “Juízes da Mente” e “Mestres da Mente”. No final daquele ano, um artigo com o modelo já estava publicado. No ano seguinte, o projeto estendeuse a outra escola, Escola Municipal Visconde de Cairu, situada no bairro de Brotas, envolvendo quase 300 alunos. O artigo resultante desse projeto foi submetido e acatado pela Academia de Medicina da Bahia, intitulado “Impacto de Maus-tratos Ocorridos na Infância sobre a Saúde Mental de Adolescentes”, rendendo cooperações internacionais, uma com o King’s College e outra com a Universidade de Bath, ambos no Reino Unido. O trabalho foi submetido para publicação em um conceituado jornal de circulação internacional em co-autoria com Paul Stallard da Bath University, psicólogo e renomado professor do Child and Adolescent Mental Health Group, Departamento de Saúde da Universidade de Bath, interessado no uso da versão adaptada do TCP para uso preventivo em adolescentes. Charlotte Cecil, pesquisadora do Departamento de Psicologia do King’s College de Londres colaborou nas sofisticadas analises estatísticas do trabalho. Em setembro de 2017, Dra. Cecil convidou o nosso professor para fazer a conferência de abertura das atividades do ano letivo 2017-2018 do Departamento de Psicologia do King’s College. Recentemente, um renomado epidemiologista de Harvard, Ronald Kessler, contatou Irismar para usar o Congnitive Distortions Questionnaire por ele desenvolvido. Trata-se de um instrumento de 15 itens para identificação de distorções cognitivas e aferição de reduções de frequência e intensidade do crédito a elas atribuídas ao longo do processo psicoterápico.

Em 2017, numa viagem a Houston, ensejou contato com Jair Soares, professor titular e chefe do Departamento e Serviço de Psiquiatria da Universidade do Texas em Houston e recebeu o convite para se integrar à equipe na condição de Adjoint Professor, a partir de março de 2018. Sua função será treinar o staff e os residentes em TCC e TCP, função essa que será exercida em períodos alternados entre Brasil e Estados Unidos. 

Para concluir esta louvação, um pouco longa, mas justificável e que seguramente não esgota a grandeza das contribuições de nosso confrade, devemos fazer a síntese de sua profícua produção científica:

1. Publicação de artigos científicos completos em periódicos nacionais e
internacionais: 128, sendo 35 após sua aposentadoria;
2. Livros publicados: 6, sendo 4 por editoras de âmbito internacional;
3. Capítulos de livros nacionais e internacionais: 44;
4. Resumos em anais de Congressos: 70;
5. Orientações de Mestrado: 15 + 1 em andamento;
6. Orientações de doutorado 4 + 2 em andamento.

Acho que não resta qualquer dúvida quanto à grandeza humana e científica de nosso novo confrade. A Academia se engrandece com sua chegada porque, como escreveu o poeta David no livro dos Salmos, capítulo 1, versículo 3:

“Bem aventurado o homem...
Ele é como árvore
Plantada junto a corrente de água,
Que, no devido tempo, dá o seu fruto,
E cuja folhagem não murcha;
E tudo quanto ele faz será bem-sucedido.”

Muito obrigado!

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