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Geraldo Leite
Geraldo Leite
Emérito
22/07/2019
12:00
Saudação proferida por Geraldo Leite ao Centenário de Jorge Novis na Academia de Medicina da Bahia

Geraldo Leite

Membro Emérito da Academia de Medicina da Bahia. Presidente da Academia Brasileira Rotária de Letras, Seção do Estado da Bahia. Membro titular da Academia de Cultura da Bahia, Academia Baiana de Educação, Academia de Educação de Feira de Santana, Academia Brasileira Rotária de Letras e Academia de Letras, Ciências e Artes de Buenos Aires. Membro Correspondente da Academia Feirense de Letras. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Instituto Baiano de História da Medicina e Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana.

CENTENÁRIO DO PROF. JORGE NOVIS

(Conferência realizada na solenidade comemorativa dos 61 anos de fundação da Academia de Medicina da Bahia)

Ana Silva Milhazes, Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, deste Distrito sede do Termo da Comarca de Cachoeira, no Estado da Bahia, na forma da lei, etc, certifica a todos que a presente

Certidão virem, e dela conhecimento tiverem, que em meu Cartório Existe um Livro de Registro de Nascimento número 9. Revendo-o, nele encontrei às folha 122 verso, sob número de ordem 222, uma anotação do teor seguinte: aos vinte e dois dias do mês de janeiro de 1919, neste Distrito da Cidade de Cachoeira do Estado da Bahia, compareceu Dr. Francisco Moniz Barreto de Aragão Júnior, e em presença das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas disse que no dia 21 de janeiro de 1919, às doze e meia horas, no Engenho Campina, nesta Cidade, nasceu Jorge Augusto Novis, de cor branca, sexo masculino, filho legítimo de Dr. Aristides Novis...” “...baiano de Cuiabá onde por acaso nasceu, porque seu pai, Dr. Augusto Novis, baiano nato, ilustre médico da Armada, para Mato Grosso se dirigira e ali fixara residência...”, acrescentou Jayme de Sá Menezes em seu livro “Palavras de Ontem e de Hoje”, publicado em 1993.

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Entre carícias e folguedos o pequeno Jorge cresceu no Engenho Campina e de tal modo viveu que, em meio às atribuições de sua vida trepidante, certo dia versejou:

“Era assim o engenho do meu Pai.
A terra fértil em que vim à luz.
Cresci sempre integrado a seu destino,
Como braços sem os quais não existe a cruz”.

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A escolha da profissão não foi difícil. Como aconteceu com seu neto, Paulo Novis Rocha, se perguntado, diria: “A genética e o ambiente familiar, certamente, devem ter contribuído para que a minha decisão para a Medicina se fizesse com naturalidade”. “Jorge foi, sem dúvida, o filho que mais de perto seguiu os passos e cuja obra mais se superpôs aos do velho Aristides Novis. Inteligente, estudioso, disciplinado, muito cedo fez do pai o ídolo maior de sua vida: teria de substitui-lo, como de fato o conseguiu, em todos os ramos e atividades, com eficiência e brilho”—afirmou José Silveira.

Assim determinado, Jorge Novis concluiu, em 1943, o curso médico na Faculdade de Medicina da Bahia, em companhia de Newton Alves Guimarães, Gilberto Rebouças, Gerson Pinto, Carlo Gentile de Mello e outros. Em novembro do ano anterior foi o escolhido para saudar o paraninfo da turma, Prof. Eduardo de Moraes, quando, em discurso afirmou: “Aqui estão os vossos afilhados de amanhã, todos a sentir, neste momento, a aura desse dia feliz, que será o da nossa formatura solene por si mesma, posto dispensar outra ajuda que as pompas do vosso paraninfado”. Justificando a escolha, acrescentou: “Um traço existe nas vossas qualidades magistrais, que domina todos os outros: a clareza. Bebestes, com tal sede nas fontes de inspiração da França imperecível, que, justificais, no estilo, o conceito de Sarcey, quando afirma: “Tudo o que não está claro parece-me não ser francês”.

No ano seguinte começou a carreira docente como Assistente de Fisiologia, logo conquistando, graças ao seu entusiasmo e profundo conhecimento, a admiração dos alunos. A sua ascensão foi rápida e fulgurante. Iniciou um curso de especialização no Instituto Oswaldo Cruz e, ao regressar a Salvador, submeteu-se ao concurso para Livre Docente de Fisiologia, ocasião em que defendeu tese sobre Crioepilepsia. “Talentoso, eloquente, persuasivo e culto o jovem mestre” – diz Luiz Fernando Macedo Costa – “atraiu os estudantes mais ativos e cristalizou, em torno de si, o principal núcleo de investigação básica da Faculdade de Medicina”.

Adquiriu os equipamentos e as bolsas de estudo necessários e reuniu uma plêiade de seguidores. Dentre os maiores destaques citamos José Simões e Silva Júnior, Heonir Rocha, Elsimar Coutinho, Rodolfo Teixeira, Carlos Antônio Biscaia, Carlos Widmer, Almira Vinhais Dantas, César Orrico, Sabino Augusto da Silva e Luis Fernando Macedo Costa. Dois deles tornaram-se reitores da Universidade Federal da Bahia: Luiz Fernando Macedo Costa e Heonir Rocha. O terceiro, José Simões e Silva Júnior, foi reitor da Universidade Católica do Salvador.

Com a morte repentina do pai, ocorrida em 30 de abril de 1953, Jorge Novis assumiu a regência da cátedra de Fisiologia. Em carta dirigida ao Prof. Torres Homem, Diretor da Faculdade de Medicina, afirmou seu propósito de bem-servir a causa do ensino, procurando ser fiel ao exemplo deixado pelo seu pai e antecessor.

No mesmo ano, tomou posse como titular de Fisiologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

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O culto à figura do pai foi o traço dominante de sua vida. Seu neto, Paulo Novis, comentando essa assertiva, assim se expressa: “Meu querido avô homenageou o Prof. Aristides Novis em verso e prosa, em inúmeros discursos proferidos ao longo de sua também gloriosa carreira acadêmica. Os pronunciamentos feitos por Jorge Novis na ocasião de sua posse na cátedra de Fisiologia, em 1954, e ao receber o título de Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia, em 1983, foram cuidadosamente compilados em um volume intitulado “Encontros com Aristides Novis”.

Após vencer com raro brilhantismo o concurso de títulos e provas, Jorge Novis assumiu a cátedra. Saudando-o na solenidade de posse, disse o Diretor da Faculdade: “Dentro em breve ireis comovidos ouvir a quem pode traçar o perfil desse homem raro, fino exemplo de cultura e sensibilidade. Com a competência de quem herdou as grandes e nobres virtudes de seu pai, ele possui a delicadeza de sentimentos e o vigor de uma luminosa inteligência – inspirada na saudade inextinguível e na mágoa cruel de havê-lo perdido”. Emocionado, lamenta: “Em tudo, os contrastes da vida: alcançar o Zenith das aspirações acadêmicas, sem a alegria de ter seu pai ao seu lado!’

Jorge Novis, visivelmente abalado, de improviso respondeu: “Meu pai despediu-se da vida ainda sol a pino, porque até os últimos dias não se empanara o fulgor de um talento privilegiado, nem lhe diminuira o entusiasmo pela cátedra, nem o amor ao estudo. Fez do ensino uma arte e como um verdadeiro artista viveu para o seu ideal, sacrificando-se para servi-lo e colocando-o tão alto e tão belo, como aquela torre branca de marfim que do vale profundo se eleva para o céu radioso”. E completa: “Na Faculdade, ninguém o excedeu no zelo ao ensino. Sabia conferir às suas lições um desusado poder de atração, porque tinha a atualidade da ciência que ministrava, apresentando-a na elegância da forma cuidadosa, na palavra vibrante que possuía o dom de transmitir a emoção artística através de um estilo colorido e musical. Enamorado da beleza eterna, tinha o culto da língua fervoroso e escrevia com a maior pureza e requintado sentimento. A severidade dos temas científicos não lhe parecia inconciliável com as prendas e fantasias do estilo literário”

Conquistada a cátedra, prosseguiu o jovem professor abrindo as fronteiras da pesquisa básica. A propósito, é oportuno transcrever as revelações de Macedo Costa, um de seus assistentes: “Todos nós contagiados pelo entusiasmo do professor, nos dedicávamos ao trabalho com vigor juvenil. A dedicação manifestava-se no interesse, as vezes até excessivo, para executar as tarefas”. “Infelizmente” – lamenta José Silveira, “um movimento de tanta transcendência, que poderia colocar a Faculdade, entre as melhores do Brasil, em pouco tempo teve que encerrar suas atividades”.

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O ano de 1965, assinala novas conquistas: Diretor da Faculdade de Medicina e Membro do Conselho Universitário, Presidente da Comissão de Ensino, Membro da Comissão de Reforma da UFBa e, no Ministério da Educação, Membro da Comissão de Especialistas em Ensino Médico.

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Em seu discurso de posse como Diretor da Faculdade de Medicina, profetizou: “Leio no sermão da segunda dominga de Pentecostes, as palavras esculpidas em ouro de lei, do Padre Antônio Vieira: “Tudo que nasce da terra, o sol e a chuva criam; mas o mesmo sol, se é demasiado, o queima e a mesma chuva, se é muito continuada, afoga”. Sábias palavras ditas em alusão à Reforma Universitária, de cuja Comissão divergiu. É como se tivesse repetido o refrão machadiano, segundo o qual “o meio-termo é a posição do bomsenso.”; ou o de Eça de Queiroz: “nem tanto á terra, nem tanto ao mar!”

Palavras fatídicas: três anos depois, em 25 de novembro de 1968, inconformado com o destino a que estava condenada a Faculdade de Medicina, enviou ao Prof. Rodrigo Argolo uma carta izendo: “Meu bom amigo Rodrigo Argolo, Em meu poder seu convite para a sessão da Congregação de nossa Faculdade, agora pela manhã. Leio a Ordem do Dia, e prevejo em discussão um fato consumado, o Instituto de Ciências da Saúde, de cuja formulação discordo pelos motivos expostos no recurso interposto, como Diretor da Faculdade, à Reitoria da Universidade.

Negado pelo órgão colegiado mais alto, resta-me curar-me da melancolia com que assisto desvincular-se minha cátedra da velha Faculdade.”

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Passado o trauma, saboreou nova vitória: foi eleito paraninfo da última turma de médicos dos anos sessenta.

Em discurso dirigido aos novos esculápios, advertiu: “Não cabe neste instante senão apontar-vos o estado transicional em que encontrareis o exercício da medicina no Brasil. Não bastariam as polêmicas reinantes em torno do famigerado controle da natalidade, colocado no inaceitável enfoque das razões econômicas, e o condenável espetáculo da temerária corrida dos transplantes, que exigirão, a cada passo, numa definição, a coragem de uma atitude!”.

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Em 1971, foi nomeado para o Conselho Estadual de Educação. Comemorando o centenário de Clementino Fraga, o Prof. Jorge Novís abordou a Educação, o Educador e o Educando. “O verdadeiro discípulo” – disse ele, “é aquele que ao perguntar nos ensina; ao duvidar nos estimula; ao agitar-se em torno de nós nos impede de deter o passo e, ao chegar à altura do mestre proclama com generoso orgulho que é ramo daquele tronco e que seus frutos vêm daquela seiva. Dai se infere que não sabe ser mestre quem não soube ser aluno!”

Conquista importante foi seu ingresso na Academia de Medicina da Bahia. “A Academia” – disse Jorge Novis em seu discurso de posse –”abrigando ideias que o tempo amadureceu, escoimada das asperezas que suscitam os ambientes de embate; serena, sem ser emoliente; sensata, sem ser indiferente; senhorial, sem ser elitizante, é o clima propício à meditação dos acontecimentos médicos contemporâneos sob a ótica ajustada da verdade; é a casa do pensamento onde os fatos encontram a decantação que a aliança com o tempo proporciona.

Na Academia de Medicina foi recebido por seu antigo discípulo, e ex-presidente, Luís Fernando Macedo Costa. “Nada como escolher para saudação oficial” – disse o novo Acadêmico—”alguém afinado espiritualmente ao recipiendário. No meu caso, não bastaria a necessidade do amparo protetor do Patrono e do meu antecessor, Francisco dos Santos Pereira e Colombo Spínola, dois oftalmologistas ilustres, responsáveis pela correção de foco, a exaltar na visão central, as virtudes e a filtrar na visão periférica, os defeitos... do candidato. Fostes além, senhores acadêmicos, escolhendo no fisiologista, entendido por ofício nos meandros da emetropia, o portador desta mensagem de quem está por direito, para quem chega, por generosidade. De Luís Fernando Macedo Costa, príncipe da nossa intelectualidade, ouvirei por certo coisas amenas, ditas com elegância e grafadas pelo sentimento, sólido e crescente, cultivado numa convivência de três décadas”.

Não tardou que, em 1983, sua capacidade de liderança o levasse à presidência da Academia. Nessa ocasião afirmou: “Assumo, desvanecido, a presidência da Academia de Medicina da Bahia, e o faço com o fervor dos que se entregam, por inteiro, aos compromissos assumidos, na esperança de retribuir com honra o gesto, generoso, livre e espontâneo dos que me elegeram – figuras de destaque na Medicina do nosso meio, que encontraram nesta respeitável Instituição o remanso em que desaguam suas aspirações hipocráticas”

Sob seu comando o sodalício viveu uma grande gestão. Hospital Jorge Novis em Lauro de Freitas

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Outras atividades Jorge Novís exerceu em períodos diversos de sua vida: Professor de Biologia do Instituto Normal da Bahia, Professor de Fisiologia da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Membro de Comissões Examinadoras de Concursos para Professor Catedrático de outras universidades, Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e Membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Foi sócio representativo do Rotary Club da Bahia, onde ingressou em 1954 e exerceu os cargos de Diretor de Protocolo (1955/1956), Vice Presidente (1957/1958), Presidente (1961/1962), Governador do Distrito 4550 (1969/1970) e Presidente da Comissão Distrital da Fundação Rotária (1971/1972). Em 1972, foi representante do Presidente do Rotary Internacional na Conferência Distrital realizada em Araxá, Minas Gerais.

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Em 1983, a congregação do Instituto de Ciências da Saúde, unidade universitária cuja criação não contou com seu voto, solicitou, por unanimidade, ao Conselho Universitário, a concessão do título de Professor Emérito ao Prof. Jorge Novis. “em reconhecimento à sua grande dedicação à vida universitária e comunitária do Estado da Bahia”. A honraria foi concedida em sessão solene realizada no Palácio da Reitoria.

Em 1985 foi o orador da solenidade que comemorou o centenário do Prof. José Olímpio da Silva. Nessa ocasião fez justiça ao progenitor do homenageado afirmando: “A segunda e a terceira décadas deste século, foram pródigas na emergência de valores na velha Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, coincidentemente com o apagamento da vida de antigos Mestres que terminavam, de uma forma ou de outra, o seu tempo professoral. Dentre os que surgiram destaca-se José Olímpio da Silva, nascido a 30 de junho de 1885, trazendo do berço a vocação médica, tal a influência de seu pai, Júlio Adolfo da Silva, médico de ampla nomeada nesta cidade, em torno de quem contam-se lendas e assinalam-se mitos sobre sua capacidade de famoso clínico, de diagnósticos verdadeiramente brilhantes ante a penúria dos recursos da época, limitados ao poder de observação, através o percuciente tino clínico, que faz o verdadeiro médico”. Esta observação é muito oportuna, face o atual abandono do tirocínio clínico, indispensável para o diagnóstico correto.

Dentre as muitas homenagens que Jorge Noviss recebeu, o governador Rui Costa inaugurou, no ano de 2018, a Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA) Professor Jorge Novis

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No fim da vida Jorge Novís respondeu importante desafio: “escolhido Secretário de Saúde, como sempre, agiu com segurança, tranquilidade e grande eficiência. Não se preocupou em construir hospitais, estruturas faraônicas, obras de fachada para garantir seu nome, já feito e respeitado” (José Silveira).

Terrível doença o levou à morte, em pleno gozo da fase produtiva. Desapareceu assim, o grande médico, cientista, professor, sanitarista e homem público a quem a Academia de Medicina da Bahia, O Rotary Club Internacional, a Faculdade de Medicina da Bahia e o Instituto Baiano de História da Medicina e Ciências Afins veneram e reverenciam.

Dentre as muitas homenagens que Jorge Noviss recebeu, o governador Rui Costa inaugurou, no ano de 2018, a Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA) Professor Jorge Novis

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