Ilustríssimos membros que compõem a mesa desta solenidade, que a todos saúdo ao dirigir-me ao acadêmico Professor Doutor Antonio Carlos Vieira Lopes, Presidente da Academia de Medicina da Bahia. Autoridades presentes, confreiras e confrades, senhoras e senhores.
Professora Núbia Mendonça
Não posso deixar de manifestar minha alegria, emoção e orgulho de saudar em nome da Academia de Medicina da Bahia, a Dra. Nubia Mendonça, minha dileta amiga. Bem aventurado o que encontra amigo verdadeiro, está no Eclesiastes. Bem aventurada é você novel confreira, que reuniu ao longo da vida tantos amigos que aqui estão para lhe abraçar hoje, com a mesma afeição de ontem, de antes e de sempre.
A nossa homenageada tem o perfil superlativo de um membro qualificado desta Casa. Distinguiu-se em todos os caminhos que trilhou, atingiu esta posição como no verso do poeta: Sem falsas asas...por seus próprios pés. Tenho certeza que irá abrilhantar esta egrégia Agremiação tão cheia de Ciência e de Saber.
Uma justa e representativa homenagem, um expressivo preito a quem exerceu a medicina com tanta dignidade, a quem tem contribuído efetivamente para o engrandecimento da pediatria baiana e brasileira.
Hoje é um dia de glória para a Dra. Nubia, mas também é um dia de compromisso. Ao assumir a cadeira de número 25, que tem como patrono Joaquim Martagão Gesteira, você assume a missão de tornar esta egrégia Instituição ainda mais vigorosa. Assuma, pois, com plenitude este compromisso.
Para Mário Quintana "existe apenas uma época da vida de cada pessoa em que é possível sonhar, fazer planos e ter energia suficiente para os realizar, apesar de todas as dificuldades e todos os obstáculos. Essa idade tão fugaz de nossa vida chama-se presente e tem a duração do instante que passa”.
Falar de Nubia Mendonça, a qualquer aspecto, é tarefa do maior rigor, pela responsabilidade que encerra. Valor humano de excepcional quilate – vida plena, fecunda e cintilante, na semeadura da verdade e da beleza, figura das mais representativas da medicina e do coração da Bahia.
Tem a capacidade de associar a ciência, às doçuras do sentimento. Dedicou-se a medicina com muito altruísmo. Gosta de praticar o bem, de solidarizar com o próximo. Entende que a medicina tem que ser iluminada pela inteligência e pelo coração e não sòmente dirigida pelo automatismo da técnica.
Desde bem cedo, movida por indomável sentimento de solidariedade humana, consagrou-se, com obstinação e amor, à cruzada gigantesca da luta contra o câncer infanto-juvenil, vivendo, na pontualidade dos carinhos e nos ofícios da ciência para acudir à dor maior, que é a dor na pobreza.
A neo-acadêmica nasceu na aprazível cidade de Ilhéus, na Bahia em 25 de novembro de 1944, filha de José Jaziel Mendonça e Carmerinda Rezende de Mendonça, ambos de origem sergipana, eram produtores de cacau na região ilheense. Duas irmãs fizeram parte de sua vida: Maria das Graças e Ana Lucia. A irmã Maria das Graças lhe deu dois sobrinhos-filhos: Fabiana e Paulo Fernando. E, completando o pequeno núcleo, a sobrinha-neta Maria Fernanda, filha de Fabiana.
Foi muito cedo levada pelos pais para estudar no Colégio Regina Coeli, no Rio de Janeiro, onde cursou o admissão e as 1ª e 2ª séries do ginásio, tendo voltado a Ilhéus para terminar o curso ginasial. Ao evoluir para o então chamado curso científico, transferiu-se para o Instituto Municipal de Educação, em 1960. Concluiu o científico em Salvador no tradicional Colégio 2 de Julho.
Em 1963 ingressou na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em Salvador, sendo bolsista do 2º ao 6º ano como premiação por ter sido a melhor aluna da turma durante todos os anos de Faculdade, colando grau de Médico em 03 de dezembro de 1968.
Realizou programa de residência médica em pediatria no Hospital da Cruz Vermelha Brasileira em São Paulo durante dois anos, tendo como orientadora e mentora a Dra. Maria Clara Faria. Ao final deste período foi estimulada a concorrer para a residência em patologia clínica com o propósito de assumir a chefia do Laboratório do Hospital da Cruz Vermelha.
Cumpriu o programa de residência de patologia clínica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo nos anos de 1971 e 1972. Durante o 2º ano da residência, iniciou o trabalho de reestruturação do Laboratório do Hospital da Cruz Vermelha. Obteve o título de especialista em patologia clínica em outubro de 1971.
Como se não bastasse, realizou paralelamente à residência médica de patologia clínica o curso intensivo de administração hospitalar pela Academia Brasileira de Medicina Militar e Faculdade de Medicina da Fundação Universitária do ABC, sendo diplomada em julho de 1972. Entretanto, a experiência comprovou que ela só estaria realizada como médica com o contato direto e diário com as crianças, daí decidiu retornar a Salvador ao final do ano de 1972.
Em abril de 1973, foi convidada pelo Dr. Jorge Bahia de Carvalho para tornar-se preceptora da residencia do Hospital Martagão Gesteira. A rotina no hospital proporcionou à Dra. Nubia o interesse pela oncologia pediátrica e através do incentivo do Dr. Jorge Bahia de Carvalho, então diretor do Hospital, e do Dr. Roque Salvador Andrade e Silva, oncologista clínico, iniciou a sua especialização em Oncopediatria.
No ano de 1975 fez concurso para Auxiliar de Ensino da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, sendo aprovada em 2º lugar, solicitando desligamento em 1977 para dedicar mais tempo ao Hospital Martagão Gesteira.
No final de 1976 estagiou no Serviço de Oncologia do Hospital de Niños, em Buenos Aires, Argentina. Nesse período foi inaugurado o Centro de Oncologia Infantil do Hospital Martagão Gesteira, primeiro serviço especializado de atendimento de crianças em hospital pediátrico no país.
Ao retornar a Salvador concentrou sua atuação nas chefias do serviço de Pediatria do Hospital Professor Jorge Valente e no Centro de Oncologia Infantil do Hospital Martagão Gesteira.
A convite de Roque Andrade, e ao lado de Gildete Sales Lessa e Adalberto Cerqueira Freitas, fundou em 04 de dezembro de 1976 a ONCO – Sociedade de Oncologia da Bahia Ltda. com a finalidade de prestar tratamento ambulatorial a adultos e crianças acometidos pelo câncer.
Em setembro de 1978 mudou-se para Paris para completar a especialização no Institut Gustave-Roussy, centro de referência internacional de tratamento e pesquisa de doenças oncológicas, mediante uma bolsa de estudos concedida pelo Ministério da Saúde.
O ano vivido nesse Instituto foi rico em aprendizado e de grande desenvolvimento científico, pois teve oportunidade de acompanhar um grande número de pacientes provenientes de toda a Europa, de diversas camadas sociais, mas, principalmente, aqueles provenientes do norte da África, em condições sócio-econômicas semelhantes às do Brasil.
Conheceu no Institut Gustave-Roussy um modelo assistencial inspirador, que poderia ser implantado na Bahia. A Instituição mantinha na periferia de Paris uma hospedaria, em um antigo castelo, para abrigar pacientes de outros países e seus familiares. Ficava a 40 km de distância do hospital e havia um ônibus que fazia o transporte diário dos pacientes que necessitavam de cuidados ambulatoriais, como quimioterapia, radioterapia, curativos e outros procedimentos.
Em outubro de 1987 conseguiu através de Roberto Sá Menezes uma audiência com D. Ieda Barradas Carneiro, então 1ª Dama Estadual, quando solicitou um imóvel para sediar a Casa da Criança com Câncer, tendo ela cedido imediatamente uma casa na Travessa Padre Miguelinho, no bairro de Nazaré.
Nela seria prestada assistência integral aos doentes e familiares, com disponibilização de camas, cobertores, alimentos, roupas, material de higiene e diversas utilidades, além de atividades de apoio multidisciplinares, com psicólogos, nutrólogos e terapeutas ocupacionais. Não há mister palavras para relevar o que valeria este apoio para os desafortunados.
No dia 05 de janeiro de 1988 a Dra. Núbia fundou, juntamente com médicos e pais de pacientes, o Grupo de Apoio à Criança com Câncer, entidade filantrópica sem fins lucrativos, com objetivo de garantir o tratamento aos pacientes desprovidos de recursos.
Voltou à vida universitária a convite do Prof. Nelson de Assis Carvalho Barros, como docente da Disciplina de Pediatria da Escola Bahiana de Medicina, entre 1991 e 1999.
Em 1997, o Centro de Oncologia Infantil do Hospital Martagão Gesteira foi fechado devido a insuficiência de recursos e o Hospital São Rafael assumiu o setor e doou o terreno no qual foi construída a sede do Grupo de Apoio à Criança com Câncer. Desta forma surgiu um novo serviço de referência em oncopediatria, coordenado pela Dra.Nubia, sempre acompanhada dos fiéis companheiros de cruzada os Drs. Cynthia Curvello Neves, Dora Márcia Alencar, Flávia Nogueira Serafim de Araújo, José Henrique Silva Barreto, Jozina Maria Andrade Agareno, Lilian Burlacchini de Carvalho, Maria Dolores Fonseca Dórea e Maurício de Souza Meira. Trabalharam com afinco em um hospital que lhes oferecia todos os recursos diagnósticos e terapêuticos avançados. Permaneceu naquela Instituição até 30 de abril de 2011, quando optou pela aposentadoria. Dois anos antes, a nossa homenageada sofreu um cruel golpe causado pela determinação do Ministério da Saúde, estabelecendo que os pacientes com câncer só poderiam ser tratados em hospitais públicos, universitários ou filantrópicos. Sendo assim tiveram que transferir todos os pacientes do SUS que eram tratados na ONCO para os demais serviços filantrópicos da cidade do Salvador, produzindo um luto prolongado, que ainda não se encerrou.
Após a aposentadoria, permaneceu se dedicando à mesma causa como Diretora de Relações Institucionais do Grupo de Apoio a Criança com Câncer, Conselheira Científica do Instituto Ronald McDonald e Membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica.
Em 2013 foi convidada pelo Dr. André Guanais para montar um serviço de Oncologia Pediátrica no Hospital Estadual da Criança em Feira de Santana/BA. Com o apoio do então Secretário da Saúde, Dr. Jorge Solla, aceitou mais este desafio ao lado de sua equipe e a partir de então o nosso Estado passou a contar com mais um serviço especializado para o tratamento do câncer infanto-juvenil. A nova confreira participou deste projeto apenas na etapa de implantação e a criação deste serviço devolveu a alegria aos médicos da sua equipe por voltar a tratar dos pacientes carentes.
Dra. Nubia Mendonça presidiu a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica de 1985 a 1990. Em 1990 foi eleita presidente da Sociedade Baiana de Pediatria e também presidiu o Comitê de Onco-Hematologia da Sociedade Brasileira de Pediatria entre os anos de 1994 e 1998, sendo nesse ínterim laureada com o título de Especialista em Oncologia Pediátrica e convidada a dirigir a área de educação do Comitê de Oncologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Cancerologia. Presidiu o Departamento Científico de Onco-Hematologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, no triênio 1998/2000.
Ainda em 1997 assumiu a cadeira nº 14 da Academia Brasileira de Pediatria que tem como patrono o Dr. Álvaro Pontes Bahia, o fundador do Hospital Martagão Gesteira. Em maio de 2015 tornou-se Membro Emérito.
Recebeu inúmeras homenagens, dentre as quais, a indicação pela Revista Forbes como a mulher mais influente no Brasil na categoria “Medicina e Saúde”.
Publicou dezenas de artigos científicos em revistas indexadas de impacto, publicou um livro e seis capítulos de livros e teve participação ativa em cerca de 400 congressos nacionais e internacionais.
Foi presidente do II Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica em 1987, realizado nesta cidade do Salvador e presidiu a Reunião Nacional em Oncologia Pediátrica no ano de 1989.
A nova Acadêmica possui uma carreira profissional alicerçada em bases sólidas, sem desvios, vivenciou todas as etapas intensamente e manteve seus ideais e entusiasmo inabaláveis.
Senhoras e senhores,
Aí está, inteiro, o preceito da assistência, do amor ao próximo, do sagrado dever de solidariedade humana.
Minha querida confreira, doravante você passa a pertencer a uma Instituição onde não há retorno, onde não há aposentadoria e onde irá conviver com seus pares, usufruindo de suas qualidades e perdoando os seus defeitos, até o fim do ciclo biológico.
Ser acadêmico significa conviver elegantemente com o contraditório. Para Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, “é importante gostar de olhos que sorriam, de gestos que se desculpam, de toques que sabem conversar e de silêncio que se declaram”.
Que a iluminem sempre as luzes do Saber e que seu grande orgulho seja pertencer a esta Casa.
Bem-vinda entre nós Professora Nubia, esta Casa a partir de agora também é sua.