Em sessão solene ocorrida em 18 de Março de 2024, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina da Bahia, comemorativa do centenário de nascimento do Ilustre Acadêmico Prof. Dr. José Maria de Magalhães Neto, presidida pelo Prof. Dr. Cesar Augusto Araújo Neto, Presidente da Academia de Medicina da Bahia, foi proferido o discurso de saudação ao homenageado pela Acadêmica Profa. Dra. Maria Luísa Carvalho Soliani, Magnifica Reitora da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública.
DISCURSO EM HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO ACADÊMICO PROFESSOR DR. JOSÉ MARIA DE MAGALHÃES NETTO
PROFERIDO PELA ACADÊMICA PROFA. DRA. MARIA LUÍSA CARVALHO SOLIANI
Homenagem a Zezito Magalhães
Senhoras e senhores, boa noite!
É com uma alegria saudosa que cumprimento todas e todos aqui presentes e todos e todas aqui ausentes, mas, certamente, presentes em nossa memória e em nossos corações.
Estamos reunidos nesta noite para celebrar o centenário de nascimento de José Maria de Magalhaes Neto, nosso querido Zezito Magalhães. Vou pedir licença para me referir ao homenageado assim, Zezito, com esta intimidade da qual gozei um pouquinho e que muitos que estão hoje nesta casa tiveram o privilégio de desenvolver ao longo de anos de convivência como confrades, colegas, alunos, colaboradores, familiares e amigos.
Quando o presidente da Academia de Medicina da Bahia, confrade Cesar de Araújo Neto, convidou-me a fazer esta saudação em nome da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, fiquei muito honrada e feliz por poder revisitar a trajetória de Zezito na nossa Escola.
José Maria de Magalhães Neto foi admitido como professor Titular de Obstetrícia em 1985, por meio de concurso de títulos, tendo permanecido na instituição até 1999. Fez parte do Conselho Deliberativo da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências, mantenedora da Escola, por 3 mandatos consecutivos, de 1987 a 1996.
Foi um professor muito respeitado e dedicado, chefe de departamento, membro da Congregação, colaborador presente e disponível em todos os momentos que se precisasse dele.
O decano desta Academia, nosso querido Profº Geraldo Leite, quando Diretor da Escola Bahiana, na saudação que fez a Zezito, por ocasião da outorga do seu título de professor emérito, em 16 de abril de 2002, afirmou que nenhum professor, até então, tinha sido paraninfo tantas vezes, tanto na BAHIANA quanto na FAMED. O que mostra como era querido.
Nesse discurso, o confrade Geraldo Leite também nos coloca em contato com uma afirmação do próprio Prof. Zezito, na qual podemos ouvi-lo dizer: “Como professor, fiz o máximo que pude, vicariando minhas limitações com denodado empenho, permanente atualização, entusiasmo e dedicação que acredito incontestáveis, podendo afirmar-vos que o convívio com meus discípulos – quer nas salas de aula, quer nas salas de parto ou nas enfermarias – constituiu-se nos momentos mais atraentes, mais sedutores e mais agradáveis da minha vida profissional”.
Lendo em voz alta suas palavras, fico me lembrando, com saudade, de sua figura elegante, como se ele estivesse aqui agora, vestido em um terno bem talhado. Rememoro sua personalidade forte, um conservador com viés liberal, guiado por princípios éticos e morais bem delineados, que sabia ouvir e voltar atrás quando percebia que não tinha razão, que sabia desculpar-se, como nos conta Tomás Cruz. Dono de múltiplos talentos, também foi um excelente administrador, demonstrado por sua passagem como diretor a Faculdade de Medicina, da Maternidade Climério de Oliveira e como Secretário de Saúde da Bahia, sempre preocupado com os aspectos sociais da assistência à população.
Em seu discurso de agradecimento pelo título de professor emérito da Bahiana, encontrei um trecho, que aqui reproduzo, o qual reafirma seu espírito aberto a mudanças e inovações, sem preconceitos, sem aprisionamentos ao passado, profundamente ligado às questões de saúde da população.
Este discurso estava preparado para ser lido no dia 26/03/2002. Os convites já haviam sido feitos. Professor Geraldo Leite tinha o seu pronto. Humberto de Castro Lima também. E aí, a vida, como sempre acontece, nos pegou de surpresa, no dia 25/03. Levou Zezito, de repente, sem aviso prévio, sem tempo de despedidas, para longe de nós.
Mas, não o calou. Ainda podemos ouvi-lo quando diz: “A realidade social brasileira impõe, ao lado do ensino e da utilização das notáveis aquisições da medicina moderna............ um sistema de regionalização com a instituição de referência e contrarreferência e, sobretudo, a preparação de médicos aptos a exercer a profissão em meios carentes de recursos técnicos sofisticados, capazes de triar, devidamente, aqueles que destes necessitem e possibilitar o incremento dos programas de saúde da família, com repercussões muito positivas nos indicadores de saúde, e concorrer significativamente para a desospitalização”.
Chega aqui à minha lembrança, outra fala sua, em uma conferência que assisti, sobre a importância e competência das enfermeiras obstétricas na condução dos partos normais. Coisa que muito chamou minha atenção, por estar habituada a ver tantos obstetras negarem ou desqualificarem essas profissionais.
Moderno, atual, necessário.
Suas ideias sempre foram expressas de forma clara, num português apurado. Acredito que Geraldo Milton da Silveira, em seu discurso “Adeus a Zezito”, consegue, em pouquíssimas palavras, melhor do que eu poderia fazer, nos trazer a memória uma singularidade marcante de personalidade de Zezito: “Empolgação e veemência, ao lado de farto vocabulário e sinonímía abundante....”
É ainda Geraldo Milton quem diz que Zezito era “bom em todas as tarefas que se propunha a realizar, rígido quando necessário, folgazão em certas ocasiões, epigramista ferino, um amigo fiel, ético e autêntico em tudo que fazia”.
Portador de um humor fino, posso imaginá-lo agora, sentado neste salão, gostando muito e ao mesmo tempo rindo, com certa ironia, desta homenagem que estamos lhe prestando.
E posso imaginá-lo sentado ao lado de seu amigo dileto, desde os tempos do 2º ano pré-vestibular do Ginásio da Bahia, Humberto de Castro Lima.
Humberto diria:
- Faz tempo mesmo que nos conhecemos. Desde que eu entrei transferido no 2º ano, lembra? E você se apresentou, dizendo que iria me aproximar da turma que já estava constituída. Fui muito bem aceito por sua causa, e passei a fazer parte do grupo como se estivesse estado lá desde sempre. Devo isso a você.
Ao que Zezito responderia rindo:
- Não me deve nada. E não me lembro disso, Humberto. Você deve estar com problemas de memória. Afinal, também está fazendo 100 anos este ano.
- A memória que está com problema é a sua, não a minha, retruca Humberto.
E Humberto continua: “Nossas vidas se encontraram e partilhamos, a partir daí, ideais, objetivos e atitudes que nos conduziram à atividade acadêmica e à prestação de serviços públicos e sociais.” Falei isso no discurso que fiz em sua homenagem na entrega do título de professor emérito da Escola Bahiana de Medicina. Você várias vezes disse que estava feliz por receber o título. Lembra? Mas depois você nos pregou uma peça e foi embora um dia antes da solenidade.
- Lembro. Não tem como esquecer, Humberto. Garanto que não foi de propósito.
Humberto continua:
- Lá, falei, também, de nossa camaradagem e amizade. De que nos tornamos amigos íntimos e de como éramos capazes de nos entender através de uma piscadela de olhos ou de meias palavras.
- Isso é verdade. Sabe que eu gostei muito de seu discurso, apesar de não ter tido, na época, como comentar. E quando você chegou do outro lado, uns 6 anos depois de mim, nunca tivemos oportunidade de falar sobre isso.
- Eu gostei especialmente do final, Humberto. Veja como minha memória ainda está ótima, melhor que a sua. Vou repetir quase que ipsis litteris:
“A fantástica condição humana, feita de sentimentos, sensações e percepções, da mesma forma que nos leva a morrer pela vida afora com os seres amados que partem (acho que você tirou essa ideia de Johnson Barbosa Nogueira), nos possibilita também, fazê-los ressurgir outras tantas, através da memória”. E aí você disse que minha alegria com o título estaria para sempre guardada intocada dentro e entre nós. Viu como lembro?
- Acho que você releu hoje e decorou só para me provocar, diz Humberto.
Essa conversa, diante das circunstâncias, poderia continuar por toda eternidade, entre provocações, piscadelas, risos e meias palavras.
No entanto, nós que estamos aqui deste lado, não dispomos de tanto tempo, e nosso presidente Cesar Araújo recomendou que minha fala durasse apenas 10 minutos.
Prometo que vou encerrá-la agora, mas ainda preciso fazer uma coisa.
Depois de trazer para me ajudar nesta homenagem tantas pessoas que já se foram, quero estender esta saudação a uma pessoa muito especial, que está aqui presente e muito viva, e sem a qual Zezito não seria quem foi: Zildete Oliveira Magalhaes, a Zizi de todos nós.
Uma mulher incrível, a companheira de toda uma vida, a mãe de suas 2 filhas Helena e Heloísa, a avó de uma família unida e amorosa que hoje comemora o centenário de nascimento de José Maria de Magalhães Neto, junto conosco. Zizi, uma mulher independente, com vida própria, um exemplo, quando ainda as mulheres eram submissas e ela não. Nunca foi aquele grande mulher por trás de um grande homem. Zizi sempre esteve ao lado, por amor, e, acredito, inúmeras vezes, à frente.
Zizi, professora de canto, que encantou Zezito, e com ele cantou e dançou a vida e as festas que frequentaram.
E como dançavam lindamente! E eram vistos felizes, rodopiando pelo salão. Eu me lembro bem, mas convido, mesmo àqueles que não tiveram a alegria de vê-los juntos nessas ocasiões, a imaginarem um amplo salão, iluminado por uma luz tênue, tendo uma música envolvente tocada por uma grande orquestra. Poderia ser alguma coisa de Frank Sinatra ou Tony Bennett. Imagino Zezito convidando Zizi para dançar. Ela se levantando, elegantemente vestida, como sempre. Ele a envolveria nos braços e ela se deixaria levar suavemente.
Viva Zizi Magalhães!
Viva Zezito Magalhães, que continua entre nós e dentro de nós!
Muito obrigada.