1. TANQUINHO, FEIRA DE SANTANA E SALVADOR, BAHIA: NASCIMENTO E FORMAÇÃO
Eliane Elisa de Souza e Azevêdo, mais conhecida por Eliane Azevêdo, nasceu no interior da Bahia, na pequena cidade de Tanquinho em 12 de março de 1936. Filha da professora D. Judith Soares de Souza e Azevêdo e do cirurgião dentista Dr. José Adolpho Magalhães Azevêdo, aos quatro anos foi acometida pela poliomielite aguda, comprometendo a sua locomoção já que teve as duas pernas paralisadas.
“A ideia de tornar-me médica veio cedo na vida. os quatro anos de idade meu pensamento voltou-se para doença, médicos, [...]. Em Salvador, os médicos disseram que era poliomielite aguda. Que minhas pernas deixaram de me fazer andar, eu já sabia. [...]. A vontade de ser médica surgiu aí, graças à pólio”. (Eliane Azevêdo in JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 154; grifo nosso)
Somente em aos seis anos conseguiu voltar a andar, entretanto, não deixou a doença atrapalhar a vida e usando um velocípede conduzido por um “fiel amigo” e vizinho Benedito Ribeiro (Ibidem), deu início aos estudos e se dedicou bastante a leitura decorrente as suas restrições motoras.
Pelo seu relato, visto acima, foi devido ao seu problema de saúde, que a menina passou a ter muito contato com médicos e começou a despertar interesse e curiosidade pela Medicina. E foi a leitura de um livro sobre o átomo que despertou sua paixão pelas ciências, pelas pesquisas. (Ibid.)
Viveu até 1949 na sua cidade natal, Tanquinho, quando se mudou para Feira de Santana para estudar. Lá, residiu até 1952, estudando no Colégio Santanópolis e no Ginásio Estadual da Escola Normal de Feira de Santana. Posteriormente, em 1953, foi para Salvador onde estudou no Instituto Normal da Bahia, concluindo assim, o ensino médio em 1955 (BARBOSA, 2011).
Em 1953 passei a residir em Salvador a fim de cursar o científico e preparar-me para o vestibular de medicina. Em janeiro de 1956, entrei na faculdade que a partir de então se integraria à minha vida: Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade da Bahia. (Eliane Azevêdo in JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 154-155)
Formação médica
Apesar de muito curiosa e atenta às questões médicas desde a infância, sua história com a futura profissão começa oficialmente em 1956, quando ingressa no curso de Medicina que, na época, era considera profissão de homem. (BARBOSA, 2011) “Éramos apenas cinco mulheres entre os 53 formandos. Inquietava-me a desproporção mulher/homem”. (Eliane Azevêdo in JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 155) Anos mais tarde, com a colaboração da Dra. Cristina Fortuna, publicaram trabalhos sobre mulher na medicina e mulher na ciência. Desde já, a universitária Eliane mostrava a sua personalidade forte de mulher determinada que não se intimidava frente as adversidades da vida. (LIMA E SOUZA; FAGUNDES, 2015)
Na graduação, desde o primeiro ano de curso, demonstrou interesse pela linha de pesquisa e se tornou estagiária voluntária nos Laboratórios de Histologia e de Fisiologia. Ambos no prédio da Fameb no Terreiro de Jesus (BARBOSA, 2011; JACOBINA; AZEVEDO, 2017)
Em seguida, passou a frequentar o antigo Hospital das Clínicas que hoje é chamado de Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), no serviço de Anatomia Patológica, onde fez a sua primeira publicação e foi para um congresso apresentá-la. “Os Professores Zilton Andrade e Sérgio Santana orientaram-me no que resultou ser minha primeira publicação em revista científica, em 1961, ano de minha formatura”. (JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 155)
Ainda no quinto ano do curso médico, tornou-se estagiária do Núcleo de Medicina Experimental (Numex) do Hupes, tendo como orientador o Professor Roberto Santos. Foi também orientanda da geneticista Professora Cora de Moura Pedreira, no programa de bolsa de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (BARBOSA, 2011; JACOBINA; AZEVEDO, 2016).
O professor Roberto Santos lhe sugeriu não só o campo da Genética médica, uma área de fronteira na medicina, como também alertou a importância da Bioestatística para as pesquisas. Por indicação do mestre, ainda estudante, foi para São Paulo e fez um curso nessa área da Medicina Social na Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP. (JACOBINA e AZEVEDO, 2016)
Formação em pós-graduação: Genética médica
Formou-se em 1961, com 25 anos, recebendo o título de médica. Em janeiro 1962, foi aprovada na Residência Médica do Hupes, onde permaneceu apenas até julho, pois através da indicação do Professor Roberto Santos, a mesma foi participar de um grande projeto da Genética Humana a ser desenvolvido no Brasil e nos Estados Unidos sobre a variabilidade genética da população da região Nordeste. (SOUZA et al., 2013)
A jovem médica realizou a entrevista e foi aceita na equipe coordenada pelo geneticista estadunidense Dr. Newton Morton, que era professor da Universidade do Hawaii, Honolulu, EUA. (BARBOSA, 2011) Neste projeto, passou um ano coletando dados na Hospedaria de Imigrantes em São Paulo que recebia muitos nordestinos para trabalhar nos cafezais da época e em julho de 1963 foi contratada como Geneticista Júnior da Universidade do Hawaii, mudando-se para Honolulu, onde permaneceu até setembro de 1964. Nesta data, mudou-se para Seattle, pois foi selecionada para o pós-doutorado (Post-doctoral Fellow) no Serviço de Genética Médica da Universidade de Washington, em Seattle, onde permaneceu de 1964-1966.
Em 1966 retornou à Universidade do Hawaii após receber um convite do Dr. Morton e lá concluiu os créditos-disciplinas (BARBOSA, 2011) e fez seu doutorado (Doctor of Philosophy in Genetics) ao defender a tese intitulada “Erythrocyte isozymes, other polimorphisms, and the coeffcient of kinship in Northeastern Brazil” [Isoenzimas de eritrócitos, outros polimorfismos e os coeficientes de parentesco no Nordeste do Brasil]. (AZEVÊDO, 2013)
Obteve o título em janeiro de 1969. Recebeu convite para deixar de ter o visto de imigrante e ter cidadania estadunidense e emprego. “Achei que para o resto da vida preferiria ser ‘cabeça de ratinho’ e não ‘rabo de leão’”. (JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 156). Teve o convite também de Ribeirão Preto –SP, mas preferiu ficar na Bahia.
Genética na Bahia
Nesta época, é importante destacar que quando se falava em Genética no Brasil e, particularmente na Bahia, as coisas ainda eram muito restritas e pouco desenvolvidas. Remetia-se muito mais as regiões do sul e sudeste do país. Entretanto, a Bahia também teve destaques, a começar em 1899 quando o médico Raymundo Nina Rodrigues, que na época era professor de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, já discutia sobre a hereditariedade e sua relação com a raça. Nina Rodrigues adotou a teoria da degenerescência, caindo no racismo científico. Uma crítica a esse equívoco do professor maranhense, catedrático de Medicina Legal da Fameb, foi feita por um dos seus colegas e ex-aluno, o médico baiano Juliano Moreira. (JACOBINA, 2006)
Em relação aos estudos em genética, em 1927, Prof. Octávio Torres publicou na Gazeta Médica da Bahia um trabalho de estudo de grupos sanguíneos. Em 1947, em uma revista local, chamada de Tertúlias Acadêmicas, o então acadêmico de Medicina do 5º ano, Jessé Accioly, publicou um artigo que tinha sido escrito em 1946, sobre a descoberta da herança anemia falciforme. (FERRARI e AZEVÊDO, 2007)
No que diz respeito a UFBA, essa matéria começou a ser ensinada em 1950 como parte da componente Biologia Geral pela Prof.ª Cora de Moura Pedreira. Esta foi responsável, em 1959 por implantar no Hospital das Clínicas o Laboratório de Genética Humana, que após a construção do novo prédio do Instituto de Biologia foi transferido para lá, dando espaço posteriormente ao Laboratório de Genética Médica (LGM), chefiado por Dr.ª Eliane Azevêdo. (FERRARI e AZEVÊDO, 2007; JACOBINA e AZEVEDO, 2016)
O diploma de seu Ph.D. em Genética, obtido nos EUA, demorou vários anos para ser revalidado, pois não tinha doutorado em genética no Brasil. Só quando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul criou o primeiro curso de doutorado em genética, foi dela, Prof.ª Eliane Azevêdo, o primeiro processo a ser avaliado e o primeiro título a ser revalidado. Mais um protagonismo, neste caso nacional, da professora no campo da Genética no Brasil. (JACOBINA e AZEVEDO, 2016, p.157)
CARREIRA DOCENTE: ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Nos anos de 1972 e 1973, Dra. Eliane Azevêdo realizou seu segundo pós-doutorado na Universidade de Londres no Galton Laboratory. (AZEVÊDO, 2013)
Ao retornar ao Brasil, ela foi contratada em 1973 como Professora Padrão C na Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA. Neste contexto, contando com o apoio do Prof. Roberto Santos, então Reitor da UFBA, Dra. Eliane conseguiu instalar um Laboratório de Genética Médica (LGM) no sexto andar do Hupes com tecnologias de ponta: “A criação do laboratório de genética no HUPES foi a realização de meu maior sonho como pesquisadora”. (JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p.156). O LGM tinha salas para dosagem de sódio e potássio, instalou-se técnicas de eletroforese e “nos debruçamos em estudos de polimorfismo genéticos”. (JACOBINA; AZEVEDO, 2016, p. 157)
Orientou estudantes de graduação em projetos de Iniciação Científica e de pós-graduação, mestrado e doutorado, tendo pós-graduandos de vários lugares do país. Com a criação da Pós-graduação, em Medicina na Fameb, curso que ela coordenou, foram seus orientandos, entre tantos alunos, os professores José Carlos Bina, Maria das Graças Sousa e Ângela Maria Lima, e depois, Maria Betânia Toralles, docentes da Fameb; além da médica Maria Cristina Fortuna, que esteve ao lado da mestra por toda a vida.
Ela também foi responsável por algumas outras grandes contribuições à Universidade Federal da Bahia, ao Hospital Universitário e à Genética baiana, como a criação do Ambulatório de Genética Clínica no Hupes, das disciplinas de Genética Médica no curso de graduação de Medicina; criação das disciplinas no curso de pós-graduação de Genética Médica, Antropologia Médica, Metodologia da Pesquisa, História das Ciências e, depois, Bioética, que no início contou com a colaboração do Prof. Joaquim Closet, da Pontifícia da Universidade Católica do Rio Grande do Sul. (JACOBINA; AZEVEDO, 2016)
A Doutora Eliane Azevêdo se tornou Professora Titular de Genética Médica da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) em 1975, ficando até 1993, quando se aposentou, sendo a segunda mulher a se tornar professora titular desta Faculdade, tendo sido a primeira a Prof.ª Maria Thereza Pacheco, Titular de Medicina Legal (JACOBINA, 2013).
PRESTÍGIO DA PROFESSORA EM GENÉTICA GARANTE RECONHECIMENTO DE DESCOBERTA DE ESTUDANTE DA FAMEB
Um aspecto interessante na carreira de Dra. Eliane Azevêdo foi o seu esforço e luta, a partir de 1969, para dar ao médico alagoano Jessé Santiago Acioly Lins, Professor de Hematologia e depois de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Bahia, o reconhecimento pelo pioneirismo na descoberta do mecanismo de herança da anemia falciforme quando ele era ainda estudante de Medicina da Fameb. (AZEVÊDO, 2010)
O fato foi que Jessé Acioly, aos 25 anos, identificou que a doença era autossômica recessiva de acordo com as Leis de Mendel escrevendo um artigo em 1946, publicado um ano depois. Porém, como a sua publicação nos Arquivos da Faculdade de Medicina da Bahia, também denominado como Tertúlias Acadêmicas (ACCIOLY, 1947), ficou restrita em nível local, na comunidade científica era conhecido como responsável por essa descoberta o americano James Neel, da Universidade de Wisconsin, que fez uma publicação em 1947. (JACOBINA, 2013; ANDRADE, 2016)
Ao tomar conhecimento da situação, Prof.ª Eliane encaminhou um resumo em inglês escrito por ela do artigo de Accioly e encaminhou ao American Journal of Human Genetics, que publicou para o mundo em 1973 o pioneirismo do estudante de medicina. (AZEVÊDO, 1973) Logo em seguida, a Universidade de Wiscosin solicitou o artigo completo. A Professora Eliane e o Professor Gilberto Rebouças traduziram e enviaram, mudando assim a história da descoberta do padrão de herança da anemia falciforme.
A Professora diz com orgulho que, ao acompanhar a literatura internacional sobre a temática, nela aparece citado: “Neel e Accioly como descobridores do mecanismo de herança da anemia falciforme”. (AZEVÊDO, 2010, p.4)
CHEFIA DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA E PRIMEIRA DIRETORA ELEITA DA FAMEB
Foi responsável por chefiar por quatro anos o Departamento de Medicina Preventiva (DMP) da Fameb. Nesse período, deu todo apoio as mudanças que se fizeram em primeiro lugar na pós-graduação, no Mestrado em Saúde Comunitária, e depois no próprio DMP, que cresceu e se tornou um espaço de debate crítico não só na faculdade, mas em toda a universidade.
Na chefia do Departamento, inclusive abrindo o espaço do Laboratório, sempre houve tempo para reuniões de organização das lutas históricas da comunidade acadêmica, como a luta para a eleição direta na direção do Hupes, e na Faculdade de Medicina da Bahia. A eleição com consulta à comunidade da Faculdade teve início em 1983, quando, no final da gestão do Prof. Newton Guimarães, foi escolhida pela comunidade – professores, funcionários e estudantes - uma lista sêxtupla, a partir de uma consulta feita em novembro daquele ano.
Nove Professores contribuíram de forma decisiva para o processo de consulta permitindo que seus nomes fossem apresentados como candidatos: Adilson Sampaio, Almério Machado, Eliane Azevêdo, Gilberto Rebouças, Jairnilson Paim, José Carlos Bina, José de Souza Costa, Ruy Machado e Sérgio Santana Filho. (AZEVÊDO, 2008, p. 24; grifo da autora)
A consulta foi realizada nos dias 29 e 30 de novembro de 1983, no saguão do Hospital Professor Edgard Santos. A Profa. Eliane Elisa de Souza e Azevêdo, única mulher entre os nomes, foi a mais votada da consulta, encabeçando a lista sêxtupla formada pelo voto e apresentada à Congregação. A Congregação não respeitou a escolha da comunidade e, por pequena diferença de votos, escolheu o Prof. José Maria de Magalhães para diretor da FAMEB.
Este é mais um protagonismo da Prof.ª Eliane Azevêdo. Ela é primeira mulher eleita para o cargo de Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia (sigla: FMB; acrônimo: Fameb). Eleita e não empossada. A segunda eleita, mas a primeira empossada é a Prof.ª Lorene Pinto, do mesmo departamento da Professora Eliane.
PRIMEIRA VICE-REITORA E PRIMEIRA REITORA DA UFBA
A Professora Eliane Azevêdo, que muito simpatizava e abraçava as causas sociais, foi responsável por coordenar a partir de 1981, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador, durante quatro anos. Deixou o cargo em 1985 quando foi eleita Vice-reitora da UFBA, ficando no cargo até 1989. Ela foi a primeira mulher a ser eleita Vice-Reitora na UFBA. Neste período destaca-se a criação do Programa Institucional de Iniciação Científica (Pibic), em convênio com o CNPq, que inicialmente foi instalado a caráter experimental, mas logo foi oficializado como programa da Universidade.
Em 1987, foi a mais votada para o cargo de Reitor, mas por influências políticas, não foi indicada ao cargo. Porém, em 1991 ela consegue ser eleita novamente em primeiro lugar. Começou seu mandato em 1992, ficando infelizmente até 1993, quando teve que renunciar devido a uma fratura na perna decorrente da poliomielite que teve na infância. (BARBOSA, 2011) Um fato que deve ser levado em consideração é a conquista da democracia com a participação da comunidade da Universidade – professores, servidores e estudantes - nas eleições para reitor e vice, o que muito se orgulha a professora.
Como reitora, a Professora Eliane proporcionou grandes progressos à UFBA. Entre elas temos a reativação do Conselho Social de Vida Universitária, inativo desde 1989; obtenção de autorização do MEC para a contratação de mais professores já que existia um grande déficit de docentes na época; conserto e recuperação da Escola de Teatro com seu próprio recurso; instalou o Programa de Melhoria da Qualidade do Atendimento ao Aluno; instalou programas de monitoria e realizou o I Seminário de Extensão da UFBA. (BARBOSA, 2011)
Também em 1993 aposentou-se da Universidade após seus 25 anos de dedicação exclusiva. Entretanto, manteve-se ligada ao ensino de Bioética aos cursos de pós-graduação na FMB. (BARBOSA, 2011) Continuou também, até 2010, orientando alunos do curso de mestrado e doutorado e também a sua Bolsa de Produtividade nível A1 do CNPq. (AZEVÊDO, 2013)
PROFESSORA E PESQUISADORA DE BIOÉTICA
Em 1998 Dra. Eliane passou a frequentar a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como professora visitante. Entretanto, em 2000 passou no concurso para professora titular de Bioética no Departamento de Ciências Biológicas da UEFS. Permaneceu como titular nessa instituição de ensino até março de 2006, quando se aposentou ao completar 70 anos. Entretanto, manteve-se vinculada à instituição até 2008, sendo orientadora e ensinando no curso de Mestrado de Saúde Coletiva. (AZEVÊDO, 2013; JACOBINA; AZEVEDO, 2016)
Nesta última Universidade foi responsável por criar disciplinas de Bioética no curso de graduação em Biologia e na pós-graduação na área de saúde. Participou da criação e coordenou o Núcleo de Bioética, o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP-UEFS) e apoiou e incentivar a criação do Comitê de Ética de Pesquisa em Animais.
Além desses, idealizou e criou, como o apoio de médicos, a Academia de Medicina de Feira de Santana. (BARBOSA, 2011) Apesar de aposentada das Universidades às quais foi professora titular, ela continuou como Professora Emérita da UFBA coordenando o Núcleo de Bioética, o NetBio, até 2012, com reuniões científicas realizadas a cada 15 dias. Deixou a coordenação, mas se mantem ainda vinculada ao Núcleo.
Foi uma cientista nata, sempre engajada em pesquisas. De 1961 a 1993 realizou pesquisas experimentais em genética humana e médica. Após essa data, até os dias atuais, dedica-se às questões teóricas sobre ética em pesquisa, biótica e integridade científica. (AZEVÊDO, 2013)
Sempre muito estudiosa, dedicada e competente, a Professora Eliane é autora de uma gama de produções científicas na área da saúde, ética e bioética tanto no Brasil como no exterior. Segundo dados do seu currículo Lattes atualizado em 31/05/2013, escreveu 164 artigos que foram publicados em periódicos os quais tem destaque “A Terapia Gênica” escrito em 1997, “Sobrenomes no Nordeste e Suas Relações com a Heterogeneidade Ética”, de 1983.
Tem 13 livros publicados, dentre eles “Raça: conceito e preconceito”, onde articula a genética com a bioética, e “O direito de vir-a-ser após o nascimento”, que teve duas edições, a primeira em 2000 e segunda em 2002, onde a autora mais uma vez mostra o seu lado humano e social. A professora reflete sobre os Direitos Humanos, a Genética, a Biologia, a Ética e o Direito, em que a mesma considera que é um direito de todas as crianças se desenvolverem em ambientes que possibilitem o desenvolvimento de todo o seu potencial biológico de maturação física e mental. (AZEVÊDO, 2002)
Além disso, tem 21 capítulos de livros publicados, dentre o qual se destaca um que foi escrito em inglês em 2004 e publicado no Japão, que tem como título “Teaching Bioethics: A Pedagogical Model Using Children´S Complementation Of Moral Conflict Stories” [Ensino de Bioética: Um Modelo Pedagógico Utilizando a Complementação Infantil de Histórias Morais de Conflito]; 56 textos em jornais de notícias/revistas; 5 trabalhos completos publicados em anais de congressos; 1 resumo expandido publicado em anais de congresso; 73 resumos publicados em anais de congressos; além de outras publicações, produções bibliográficas, técnicas, de consultorias. Participou também de diversas bancas de comissão julgadoras, de congressos, feiras, eventos, exposições. (AZEVÊDO, 2013)
Orientou e supervisionou dissertações de mestrados, doutorados, monografias de conclusão de curso e iniciações científicas até 2013, quando se decidiu a se dedicar de corpo e ala ao tema ‘Ciência e Religião’. (AZEVEDO; JACOBINA, 2016)
A Professora Eliane Azevêdo que, no período da ditadura militar, coordenou por quatro anos com coragem e determinação a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador, nos anos de 2004 a 2008 atuou como membro titular da Comissão de Assessoria para questões de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. (Ibidem)
Em 2013, voltou a o tema que lhe é tão caro e participou da criação do Núcleo Ciência, Cultura e Fé, que tem sede no Instituto Feminino da Bahia, um espaço onde se discute ciência, cultura e fé em relação a qualquer religião. Somos abertos a ouvir outras crenças, ateus e agnósticos. Buscamos o que nos une e não o que nos separa”, disse Eliane Azevêdo, em entrevista a este expositor. (AZEVEDO; JACOBINA, 2016, p.163; grifo nosso)
A PESSOA COM O PAPEL PRINCIPAL EM SUA HISTÓRIA PARTICULAR
Em relação à sua vida pessoal, a professora Eliane se casou em 1978, aos 42 anos com seu marido, Cindalvo Nascimento Dias, que na linguagem do afeto, pronuncia-se Timó, por quem foi apaixonada e muito grata por todo companheirismo.
Ele foi uma pessoa com o papel principal em sua história particular e sujeito fundamental para sua trajetória de realizações. Eliane adotou os três filhos dele e teve uma família durante 33 anos. (AZEVÊDO, 2017). Infelizmente seu esposo se encantou, acometido por um câncer.
HOMENAGENS E HONRARIAS
Por toda sua dedicação à pesquisa e aos estudos nas áreas da Genética e Biótica, recebeu diversas homenagens e honrarias. Dentre elas, deve-se destacar em 1985, o título de Cidadã da Cidade de Salvador pela Câmara Municipal de Salvador; 1992 Honra ao Mérito pela Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro; 1998 recebeu uma placa referente ao seu pioneirismo na área de pesquisa da Genética Médica no Brasil, pela Sociedade Brasileira de Genética em uma das edições do Congresso Brasileiro de Genética Médica; em 2002, recebeu o título de Pesquisadora Homenageada, pela SBPC, o título de Mulher do Século, pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia e também o de Professor Emérito por indicação da Faculdade de Medicina da Bahia e do Instituto de Biologia, pelo Conselho Universitário da UFBA; 2005 placa pela criação do projeto PIBIC, pela UFBA; 2008, Membro Emérito da Academia de Medicina de Feira de Santana.
Em 2010 tornou-se membro titular do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins, cadeira nº 20; deu nome ao prêmio criado em 2010 pela Academia de Medicina de Feira de Santana e ganhou a medalha Reitor Edgard Santos, da UFBA. (AZEVÊDO, 2013) Em 25 de julho de 2014, a Prof. Eliane Azevêdo recebeu uma homenagem no Medinfor III – Medicina na era da Informação, evento de parceria das Unidades Universitárias da Ufba - Instituto de Ciência da Informação (ICI) e Fameb com a Universidade do Porto, Portugal. O lugar não poderia ser mais adequado e simbólico: o auditório do Instituto Feminino da Bahia, onde ela dirige são realizadas as conferências do Núcleo Ciência, Cultura e Fé.
Em Sessão Especial pela Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), em 22 de março de 2018, recebeu a maior homenagem do nosso Estado, com a outorga da Comenda 2 de Julho, que é a mais alta honraria concedida pela ALBA a personalidades que exercem relevantes
CONSIDERAÇOES FINAIS
Por ser mulher e nordestina já sofreu alguns preconceitos na vida, mas nunca uma agressão direta. (AZEVÊDO, 2017) Porém teve de enfrentar toda uma sociedade machista e patriarcal e com sua força, competência e garra, conquistou seu lugar na sociedade. Uma das pioneiras na genética médica no Brasil e na Bahia. Tornou-se a primeira Vice-reitora e depois a primeira Reitora eleita pela comunidade da Ufba, primeira professora a receber o título de Professor Emérito da Fameb e foi a primeira mulher a ser Memorialista da Faculdade de Medicina da Bahia.
Na solenidade de outorga da Comenda 2 de Julho a pedido da homenageada, este autor celebrou sua homenagem com um poema, tomando como referência, um relato de infância da querida Mestra de tantos Mestres, colocado como epígrafe:
Vejo um homem com sinais de cansaço, seo Crispiniano da Silva, ou melhor, Nêgo Pipa. Ele carregou nos braços até o topo do morro de Tanquinho uma menina de uns 7 anos que somente foi posta no chão “quando tinha o mundo abaixo dos pés e o infinito à frente dos olhos”. (AZEVEDO; JACOBINA, 2016, p.164)
ELIANE - A MENINA, O MORRO E SEU SONHO
In memoriam
A Crispiniano da Silva, o Nêgo Pipa de Tanquinho
E Cindalvo Nascimento Dias, que se pronuncia Timó,
na linguagem do afeto
I
O topo do Morro era o sonho da Menina.
Sim, tinha sequela de poliomielite.
Não, tal lesão não lhe seria um limite.
II
Nêgo Pipa, um homem simples, anjo negro,
Com grande riqueza humana,
Tomou para si esta tarefa irmana (insana?).
III
Em seus braços, a Menina chegou ao topo
E, do alto do Morro, vislumbrou um horizonte.
Os caminhos de sua vida, ensinou-lhe o Monte
IV
Médica, geneticista, emérita, cientista.
Reitora e vice, memorialista, professora titular...
Em muitos desses títulos, como Mulher, em primeiro lugar.
V
Católica, ecumênica: articula ciência, cultura e fé.
De encarar a “Ditadura” com firmeza foi capaz
Na honrosa Comissão de Justiça e Paz.
VI
Sim, foi lição para a Mestra a subida do Morro.
Todo sonho traz sempre muitos desafios...
Em vez de se afogar, soube navegar pelos rios.
VII
Mas... ainda guardada nesta Mestra de tantos mestres,
Quem é esta Menina determinada, sem medo:
Eliane Elisa de Souza e Azevêdo.
REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Jessé. Anemia falciforme – apresentação de um caso com infantilismo. Tertúlias Acadêmicas, 1947. 42 p. [Arquivo da Universidade da Bahia – Faculdade de medicina da Bahia 2: 169-198, 1947]
ANDRADE, Rodrigo de Oliveira. À sombra da história. Pesquisa FAPESP, ed. 246, agosto 2016.
AZEVÊDO, Eliane Souza e. Bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia - Terreiro de Jesus: Memória Histórica 1996-2007. Feira de Santana-BA: Editora da Academia de Medicina de Feira de Santana, 2008.
AZEVÊDO, Eliane S. Comentários sobre a descoberta do mecanismo de herança da Anemia Falciforme. Gazeta Médica da Bahia, v. 80, n.3, p.3-4, Ago.-Out. 2010.
AZEVÊDO, Eliane S. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 31 mai. 2013. Disponível em:
AZEVÊDO, E.S. O Direito de Vir-a-Ser Após o Nascimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 2ed.
AZEVÊDO, Eliane S. Historical Note on Inheritance of Sickle Cell anemia. Am J Hum Genet , v. 25, p. 457-458, 1973.
AZEVÊDO, E.S. Na integra: entrevista Eliane Azevêdo. Revista Digitais, 06 de agosto 2016. Salvador, mar. 2017. Entrevista concedida a Emile Conceição e a Nádia Conceição.
BARBOSA, Marilene Lobo Abreu. Eliane Azevêdo. In: TOUTAIN, Lídia Maria Brandão et al. (Orgs.). Reitores Da UFBA: de Edgard Santos a Naomar de Almeida Filho. Memorial v. 2. Salvador: EDUFBA, 2011. p. 215-227.
FERRARI, Nadir; AZEVÊDO, Eliane S. Relatos sobre a história da Genética na Bahia. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, v. 77, n 2, Jul-Dez 2007. p. 237-240.
JACOBINA, Ronaldo R. Memória Histórica do bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (2008) – Vol. III – Professores, Funcionários e Alunos da FAMEB. Salvador: FAMEB-UFBA, 2013. 534p.
JACOBINA Ronaldo R. Nina Rodrigues, psiquiatra. Contribuições no campo da Psiquiatria Clínica, Psicopatologia forense e Psiquiatria Social. Gazeta Médica da Bahia, v. 76, Suplemento 2, dez. 2006. p. 11-22,
JACOBINA, Ronaldo Ribeiro; AZEVÊDO, Eliane Elisa de Souza. Ronaldo Ribeiro Jacobina entrevista Eliane Elisa de Souza e Azevêdo: vida, obra e pensamento. In: DUARTE, Zeny; MALHEIRO DA SILVA, Armando. (org.). Os médicos e a cultura em Portugal e na Bahia: olhar(es) introspectivo e analítico sobre o “modo de ser e estar” médico-cultural. Salvador: EDUFBA, p. 153-165, 2016. ISBN 978-85-232-1463-0
LIMA E SOUZA, Ângela M. F de; FAGUNDES, Tereza Cristina P. C. Sobre Cora, Lucy E A Genética: Notas Biográficas Sob Um Olhar De Gênero. Revista Ártemis, João Pessoa-PB, v. 20, ago-dez 2015. p. 18-26. ISSN: 1807 – 8214
SOUZA, Vanderlei Sebastião de; DORNELLES, Rodrigo Ciconet; COIMBRA JÚNIOR, Carlos E.A.; SANTOS, Ricardo Ventura. História da genética no Brasil: um olhar a partir do Museu da Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.2, abr.-jun. 2013, p.675-694.
