Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
Tamanho da Fonte
William Azevedo Dunningham
William Azevedo Dunningham
Cadeira 39
01/01/2019
20:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de William Azevedo Dunningham

PANEGÍRICO DA ACADEMIA DE MEDICINA DA BAHIA – POSSE DO ACADÊMICO WILLIAM AZEVEDO DUNNINGHAM

Excelentíssimo Prof., Dr. Almério de Souza Machado, Presidente deste egrégio sodalício, meu digno professor do curso de graduação em medicina da UFBA
Excelentíssimo Prof, Dr. José Antônio de Almeida Souza, também meu  “jovem  professor” na graduação, amigo fraterno, que ora faz minha apresentação e que de há muito me incentivava  a pleitear uma cadeira de acadêmico neste nobre silogeu
Excelentíssimo Prof, Dr, Antônio Natalino Manta Dantas, rigoroso avaliador do meu currículo e generoso orientador das providências concernentes à minha posse nesta Academia
Minha querida esposa, Profa. Dra. Wania Márcia de Aguiar, cuja organização e diligente atuação viabilizaram  esta cerimônia
Meu pai, Roberto Lisa Dunningham, exemplo de honra e dignidade que se vivo estivesse, completaria hoje 100 anos,
Estimador confrades e confreiras, 

Senhoras e senhores,

Falecia na madrugada de 4 de jan de 2015, de insuficiência respiratória, o médico nefrologista, Professor Doutor Carlos Alfredo Marcílio de Souza, meu antecessor da cadeira 39, que ora assumo. Ele era professor da FMB – UFBA, da EBMSP, foi diretor do Hospital Espanhol  e membro titular da Academia de Medicina da Bahia desde 1997. Dentre as manifestações públicas de pesar pelo seu passamento e reconhecimento do seu valor como médico, professor e homem de idoneidade moral irrepreensível, destacaram-se as da então diretora da FMB -  UFBA, Profa. Dra. Lorene Pinto e  as do nobre Professor Roberto Figueira Santos, honradíssimo confrade. O Prof. Marcílio foi um inovador. Carlos Marcílio lançou, no Brasil, o embrião da Medicina Baseada em Evidência, que ele acreditava ser seu principal legado para a medicina baiana. Era de temperamento introvertido, porém elegante no trato com seus pares e alunos, muito didático nas suas atividades como docente. Fui aluno dele, quando, ainda residente, estagiei na UTI do HUPES e ele foi um dos três docentes de graduação que comentaram: “...você não devia fazer psiquiatria, não. Você sabe muita clínica médica..poderia ser nefrologista, pneumologista ou gastroenterologista” Os outros dois foram os Profs. Pedro Mello da Silva e Luiz Guilherme Lira, que também não estão mais entre nós. Nascido em Jacobina, em 1939, era filho do médico Alfredo de Oliveira e Souza. Graduou-se médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública em 1963,  com 24 anos de idade. Aos 28, se tornaria professor de medicina interna da FMB - UFBA. Especializou-se em nefrologia, no Massachussets General Hospital, na Universidade Harvard, nos EUA. Era médico exemplar, dedicado aos seus pacientes, com densa cultura científica. Dada a sua incomum capacidade de fomentar a pesquisa, foi convidado, nos anos 70s, para integrar os quadros do Ministério da Educação, período no qual foi membro e depois Secretário Executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (entre 1978-1980). Atuou ainda no Ministério da Saúde e como pesquisador do CNPQ, onde, com o auxílio de profissionais da Universidade McMaster, Ontario, Canadá, pôde colaborar para o desenvolvimento de importantes programas na área da epidemiologia clínica. É autor do livro “Dicionário de Pesquisa Clínica”. Deixou a esposa, a educadora Maria Thereza, cinco filhos – Daniel, Pedro, Matheus, Izabel e Ana – e sete netos

Raimundo Nina Rodrigues), patrono da cadeira 39 da Academia de Medicina, a ser por mim ocupada, foi, assim como Oswaldo Cruz, um dos maiores nomes da história da medicina brasileira. Ele  nasceu em 1862 no Maranhão, na então  cidade de Vargem Grande, que hoje tem seu nome.. Seu pai foi o  coronel Francisco Solano Rodrigues, dono do Engenho São Roque. Sua mãe, Luiza Rosa Nina Rodrigues, seria descendente de uma família sefardita que veio para o Brasil fugindo das perseguições aos judeus na  Península  Ibérica. Nina Rodrigues estudou no Colégio São Paulo e no Seminário das Mercês, em São Luís. Pelas suas próprias palavras, e pelas referências de seus colegas, teve uma saúde frágil na infância. Nas lembranças familiares era descrito como franzino e irritadiço. Em 1882, Nina Rodrigues matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, seguindo o curso até 1885, quando se transferiu para o Rio de Janeiro, onde concluiu o quarto ano de faculdade. Voltou à Bahia no ano seguinte, quando escreveu seu primeiro artigo, sobre a lepra no Maranhão. Retornando ao Rio, concluiu lá o curso, defendendo uma tese sobre três casos de paralisia geral progressiva numa família, em 1887. No ano de 1888, clinicou em São Luís. Após esse rápido regresso à terra natal - onde foi incompreendido pelos médicos conterrâneos porque atribuiu à má alimentação os problemas de saúde da população carente da região onde vivera - resolveu apartar-se do provincianismo e adotou definitivamente a Bahia como morada. Além de publicar suas crônicas de jornal numa brochura, começava também a contribuir com artigos para a prestigiosa Gazeta Médica da Bahia. Num desses artigos, usou pela primeira vez na literatura médica brasileira  a palavra “etnologia”. Em Salvador encontrou ambiente favorável às pesquisas sociais que tanto o atraíam. Em Salvador., que tinha mais de 2 mil africanos catalogados à época da abolição da escravatura, dedicou-se à clínica médica e ao atendimento dos menos favorecidos, sendo identificado como Doutor dos Pobres. Em 1889 prestou concurso para a Faculdade de Medicina da Bahia, vindo a ocupar o lugar de adjunto da Cadeira de Clínica Médica. O catedrático era o conselheiro José Luiz de Almeida Couto, republicano histórico, abolicionista, primeiro governador da Bahia na era republicana e político de projeção nacional com cuja filha viria a casar . Relata o Dr. Lamartine Lima, grande historiador da medicina que Nina Rodrigues e Alfredo Thomé de Britto, também médico e mais tarde diretor da Faculdade, casaram-se com filhas do conselheiro  –cada um noivara antes com a irmã que casaria com o outro.  Nina foi transferido em 1991 para a cadeira de Medicina Pública e, no interior desta, tornou-se primeiro professor da disciplina  Medicina Legal do Brasil, logo transformada em cátedra no ensino médico brasileiro. O medico maranhense alçou a Medicina Legal  à condição de especialidade e disciplina científica. Afrânio Peixoto nos conta que Nina "deu tal lustro à especialidade que, por todo o país, esta  passou a ser a cadeira mais ambicionada". Mas seu objeto de estudo e pesquisa estava fora dos limites físicos da instituição acadêmica. Por isso, não abria mão de conviver com as mazelas da população excluída do centro de poder por mais criticado que fosse. ‘Nina está maluco! Freqüenta candomblés, deita-se com as “iaôs” e come a comida dos orixás’, era uma das intrigas típicas dos seus colegas catedráticos, segundo narra o Professor  Estácio de Lima, no livro “Velho e Novo Nina”. Profundo conhecedor da cultura afro-brasileira era irreverente contra a discriminação racial.  Comparou, por exemplo, um feitiço deixado na porta do edifício da Câmara de Salvador com a visita feita a essa casa pelo bispo, ambas no intuito de resolver uma disputa política, e analisou as duas ações como equivalentes na sua “manifestação sociológica”,  Nina Rodrigues certamente irritou tanto muitos membros da corporação médica como da corporação clerical baianas. E é exatamente essa sua falta de “papas na língua” que o torna um observador tão fino e tão interessante da cena local.  Por mais que tenha sido considerado racista foi ele um polemista e um crítico cáustico em relação aos seus pares profissionais e aos integrantes de sua classe social. A censura à conduta do governo do Brasil  de então  no que concerne às carências existentes nas Faculdades de Medicina da época, foram registros comuns nas "Memórias Históricas".

No entanto, a desaprovação da "Memória" elaborada por Nina Rodrigues  é um importante indicador do nível de conflito instaurado no interior da Faculdade de Medicina da Bahia. Seu propósito de conferir dignidade à Faculdade onde ensinava e de  afirmar sua autoridade científica, levou o catedrático de medicina legal a um enfrentamento com a tradição estabelecida, criando articulações externas à instituição oficial de ensino médico (fundação de sociedades, realização de congressos e criação de periódicos médicos e de medicina legal), fomentando uma produção científica voltada para sua área específica). Voltando à narrativa da sua produção científica, foi num artigo publicado na Gazeta e no Brazil Médico, do Rio de Janeiro, em 1890, que  aparece pela primeira vez, na medicina brasileira, a  palavra antropologia – "anthropologia patológica". Escreve também uma nota apoiando a iniciativa de Brás do Amaral - professor de “Elementos de Antropologia”, no Instituto de Instrução Secundária de Salvador - de iniciar uma coleção de "objetos antropológicos" – esqueletos, chumaços de cabelo e recortes de pele dos índios do Estado. No Terceiro Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, reunido em Salvador, em outubro daquele ano, e de cuja comissão executiva Nina Rodrigues fora eleito tesoureiro pela Congregação da Faculdade, apresenta três trabalhos – sendo um deles o relatório de uma autópsia que fizera - a única autópsia realizada durante uma epidemia de influenza que ocorrera pouco antes na Bahia.. Com os resultados de seus estudos propôs uma reformulação no conceito de responsabilidade penal, sugeriu a reforma dos exames médico-legais e foi pioneiro da assistência médico-legal a doentes mentais, além de defender a aplicação da perícia psiquiátrica não apenas nos manicômios, mas também nos tribunais.

Também analisou  em profundidade os problemas do negro no Brasil, instaurando esta linha de pesquisas no país em torno do assunto. Ele  faleceu em Paris, França de doença consuntiva não-esclarecida aos 44 anos de idade.  Entre seus livros destacaram-se “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894)”, “O animismo fetichista dos negros da Bahia (1900)” e “Os africanos no Brasil (1932)”. O Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), o mais antigo dos quatro órgãos que hoje compõem a estrutura do Departamento de Polícia Técnica da Bahia, foi criado em 1906, pelo Prof. Oscar Freire e intitulado Nina Rodrigues pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em homenagem ao professor catedrático de Medicina-Legal, falecido naquele mesmo ano, Clínico, professor, escritor, deontólogo, sexologista, legista, higienista, antropólogo, biógrafo, epidemiologista, etnólogo. Nina Rodrigues foi um homem múltiplo. Mas sua posição foi singular na história do pensamento antropológico brasileiro (que deve ser remetida à leitura de obras como “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil” , “O animismo fetichista dos negros da Bahia” e ”Os africanos no Brasil”). A obra de Nina  foi estudada pela professora Mariza Corrêa (Unicamp), que publicou o volume “As ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil”. Bragança Paulista: Edusf, 1998. Ele foi fortemente influenciado pelas idéias do criminologista italiano Cesare Lombroso, mas quem não era àquela  época ? Neste sentido, podemos considerar que Nina Rodrigues foi um agente singular do campo médico no momento de sua estruturação no Brasil. Participante ativo do processo de institucionalização da medicina na virada do século XIX para o século XX,  Nina canalizou suas ações para uma série de investimentos acadêmicos e científicos que resultaram no avanço da autonomia da categoria médica. Nina pode se alçado à condição de mito da ciência no Brasil, como foi o caso de Oswaldo Cruz.

A denominada "Escola Nina Rodrigues" foi  criada nos anos 30 do século passado pelos médicos Afrânio Peixoto e Arthur Ramos como forma de dar maior credibilidade às suas respectivas militâncias no campo da medicina legal  Nos anos 30s, a medicina legal tornou-se política de Estado e, como observava  Afrânio Peixoto ,  deixou de ser" apenas um comentário de leis, porém ciência de observação e experimentação, ciência aplicada ao meio e ao povo brasileiro." Além do pioneirismo de seus estudos em antropologia física, foi alçado a condição de fundador de uma escola de pensamento antropológico: a "Escola Nina Rodrigues".  

William Azevedo Dunningham
 

Academia de Medicina da Bahia
Praça XV de novembro, s/nº
Terreiro de Jesus, Salvador - Bahia
CEP: 40026-010

Tel.: 71 2107-9666
Editor Responsável: Acadêmico Jorge Luiz Pereira e Silva
2019 - 2024. Academia de Medicina da Bahia. Todos os direitos reservados.
Produzido por: Click Interativo - Agência Digital