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Ubirajara de Oliveira Barroso Junior
Ubirajara de Oliveira Barroso Junior
Cadeira 28
17/12/2014
20:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de Ubirajara de Oliveira Barroso Junior

Inicialmente o meu muito obrigado pela gentileza da presença de todos.
Que as minhas palavras nesta solenidade sejam de agradecimento e culto.
Inicialmente, agradeço aos Membros da Academia de Medicina da Bahia pela generosidade de escolher o meu nome para ocupar tão ilustre posição, a honrosa cadeira de número 28. Tendes agora um soldado a arregaçar as mangas por esse sodalício.
Em Segundo, agradeço ao Professor Doutor Alex Guedes pela benevolência de me apresentar nesse dia tão marcante de minha vida. Ser saudado pelo Professor Alex Guedes por si só já é um grande abre alas, ilumina o meu ádito e me enche de felicidade, dado o apreço que o tenho e amizade que nos une. 

O Professor Alex Guedes é desbravador da oncologia ortopédica da Bahia. Pude conhece-lo melhor no Departamento de Cirurgia Experimental e Especialidades Cirúrgicas da Universidade Federal da Bahia. Logo chamou-me a atenção a forma altiva, clara e objetiva com que fala, levando todos a respeitá-lo como liderança entre o grupo. Médico reconhecido e laureado, o vejo trilhando um caminho exemplar na vida universitária, sempre preocupado com a formação de novos profissionais e transmissão do saber.
Reservarei alguns agradecimentos para o desfecho, para que de emoção a oratória não sucumba e que possa de pé, com dignidade, cumprir a minha tarefa e relembrar memórias do meu patrono e do meu antecessor. 

Chega a hora do culto, da reverência ao patrono e à pessoa ilustre que me antecedeu. Edvaldo Boaventura comenta que “é na sucessão que se perpetua a lembrança indelével do antecessor. A sucessão, como toda herança ou legado, é um exercício ou um momento espetacular da imortalidade.”
O meu patrono é o médico José Francisco da Silva Lima. Resumidamente, ele nasceu em 15 de janeiro de 1826, na aldeia de Vilarinho, Portugal. Casou-se com a filha de Manuel Victorino Pereira, médico e vice-presidente da República no mandato de Prudente de Morais.

Naturalizou-se cidadão brasileiro em 1862. Foi agraciado com a Comenda da Ordem de Cristo de Portugal. Faleceu aos 84 anos, na cidade de Salvador, em 10 de fevereiro de 1910.
Entretanto, sua estada entre os homens não foi uma mera passagem. Quis o destino que eu fizesse parte do corpo clínico do Hospital Santa Isabel e montasse um consultório no prédio anexo que leva o seu nome. 
José Francisco da Silva Lima veio para o Brasil com 14 anos e se fixou na cidade de Salvador, na província da Bahia. Inicialmente trabalhou no comércio, mas depois realizou os cursos preparatórios e ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Nesta instituição obteve o grau de doutor em 1851, com a tese intitulada "Dissertação philosophica e critica a cerca da força medicatriz da natureza".
Realizou várias viagens à Europa para aperfeiçoamento de seus estudos médicos. 

Silva Lima, como era mais conhecido, publicou cerca de vinte comunicações somente sobre o beribéri.  Esses trabalhos contaram com a participação do médico inglês John Paterson e os conhecimentos especializados anátomo patológicos do médico luso-germânico Otto Wucherer. Em 1855 juntamente com Wucherer e Paterson diagnostica a cólera-morbo, doença infecciosa que se espalhou pelo resto do Brasil. 
Muitos colegas médicos manifestaram-se contra esse diagnóstico em congressos e na imprensa. Os 3 foram atacados, ridicularizados e chamados de terroristas, pois estariam levando população ao susto. Entretanto, Silva Lima e seus colegas estavam certos. A suspeita foi evidenciada e confirmada. Silva Lima, não somente destacou-se por seus conhecimentos profissionais, mas também por sua impecável conduta deontológica; foi ele quem traduziu e comentou na “Gazeta Médica da Bahia” o “Código de Ettica Médica adaptado pela Associação Médica Americana”.

Participou da criação da Escola Tropicalista Baiana, novamente com  Wucherer e Paterson. Esta consistiu em um grupo de médicos, todos estabelecidos na Bahia, que se dedicaram, a partir da década de 1860, à pesquisa da etiologia das doenças tropicais que acometiam principalmente as populações pobres do país. Este movimento iniciou-se com a realização, em 1865, de palestras noturnas na residência de Paterson, duas vezes por mês, nas quais eram tratados assuntos diversos relativos à profissão médica, como casos clínicos, exames microscópicos, inspeção de doentes e novidades científicas. Os fundadores da Escola Tropicalista Baiana são considerados predecessores da medicina experimental no país.
José Francisco da Silva Lima foi pioneiro na descrição da doença ainhum, que vem do ioruba e se caracterizava por ser uma doença comum dos escravos africanos que levava ao decepamento espontâneo de um ou mais dedos dos pés. 
Também realizou pesquisas sobre filariose, dracunlose, maculo, que era uma diarreia que acometia os escravos novos, tuberculose, acidentes por envenenamento de um vegetal brasileiro, aneurisma e obstetrícia.
Foi um dos fundadores e editor por 44 anos da Gazeta Médica da Bahia, no qual foram divulgados muitos de seus estudos e dos demais integrantes da Escola Tropicalista Baiana. Alguns de seus artigos foram, também, publicados em Lisboa, Paris e Londres.

Silva Lima não integrou o corpo docente da Faculdade de Medicina da Bahia. A prática e ensino de suas pesquisas, assim como dos demais fundadores da Escola Tropicalista Baiana, foram realizadas no Hospital da Caridade, da Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Dirigiu os serviços de clínica médica deste hospital, no qual atuou por 24 anos. 

O Dr. Silva Lima é certamente um dos pioneiros em pesquisa translacional no Brasil. Ele buscava evidências experimentais e em estudos de campo sobre uma determinada doença, descrevia aspectos clínicos e lutava pelo seu combate e prevenção. Uma prova disso é que ao tempo em que manteve em sua casa um criadouro de animais de laboratório, considerado o primeiro no país, foi membro do Conselho Geral da Saúde Pública da Bahia e montou serviço de vacinação e revacinação.
Silva Lima era muito bem relacionado com profissionais de outros estados e países. foi membro da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, da Sociedade Médica Argentina, da Academia Nacional de Medicina, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Associação Médico-Farmacêutica Pernambucana. Foi também sócio da Sociedade Médica da Bahia, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.

Foi presidente de honra da Sociedade de Medicina da Bahia, em 1888. Foi presidente do Conselho Geral Sanitário da Bahia, desde sua criação  em 1901 até o ano de 1907, quando se retirou por motivo de saúde, recebendo então o título de Presidente Honorário desta instituição.
Egas Moniz Barreto de Aragão considerou Silva Lima o fundador da patologia tropical moderna no Brasil.
Infelizmente, de alguma maneira, o fato da mudança da capital federal da Bahia para o Rio de Janeiro em 1763, produziu uma desaceleração no crescimento de nossa cidade do ponto de vista econômico e cultural. Isso, por conseguinte, retardou o desenvolvimento da ciência.  Também por isso, a trajetória do Dr. Silva Lima deve ser lida por todos nós todos como exemplo. Cientista, detalhista médico clínico, proativo, ético. Que qualidades fantásticas! O Dr. Silva Lima mostrou que é possível, sim, transformar a nossa terra numa matriz de produção científica, ganhar grande reconhecimento internacional e utilizar as suas descobertas de forma direta, em prol da saúde da população. A Bahia é pródiga em produzir mentes privilegiadas.  Mas sem organização e estímulo, não passaremos da matéria prima à manufaturada produção científica de alto nível e competir com o resto do mundo. Somos capazes disso, em todas as áreas médicas. É preciso sistematização, metodologia e, novamente, organização. 

 Agora, algumas palavras sobre o meu antecessor: O professor Jorge Leocádio de Oliveira
Ele nasceu em 1911. Foi casado duas vezes e teve cinco filhos: Péricles Leocádio de Oliveira, Gilda Leocádia de Oliveira, Maria Leocádia de Oliveira, Júlia Leocádia de Oliveira e Jorge Leocádio de Oliveira Filho. A Maria é hoje médica endocrinologista e Professora da Universidade de Londrina e o amigo, que fora anestesista de minha esposa no nascimento do meu primeiro filho Caio, o competente Jorge Leocádio de Oliveira Filho é proeminente anestesiologista de Salvador.
O professor Jorge Leocádio foi graduado em 1936 pela Faculdade de Medicina da Bahia, da qual foi um dos professores mais competentes, perspicazes e admirados. Foi um dos fundadores da Academia de Medicina da Bahia, constando na ata da reunião de abertura, pertinentes interpelações suas.

Escreveu variados trabalhos científicos e culturais e pertenceu a inúmeras instituições médicas da Bahia.
Destacaram-se, dentre os trabalhos publicados, os concernentes à vasculopatia diabética  e á nutrição. Tinha especial interesse pela diabetologia e os aspectos relacionados à esquistossomose.
Profundo conhecedor da propedêutica médica, atuou durante vários anos na antiga faculdade de medicina do Terreiro de Jesus, beneficiando com sua experiência, simplicidade e facilidade de comunicação, várias gerações de médicos que hoje prestam relevantes serviços à sociedade baiana.

No paticular da vasculopatia diabética, insistia na medida da tensão arterial dos membros inferiores com o Doppler. Sua comparação, dizia ele, com a tensão arterial dos membros superiores, bem como entre ambos os membros inferiores, pode  trazer esclarecimentos de grande valor prático, mostrando uma tensão mais baixa  do lado do processo obstrutivo.

Recomendava, insistentemente, desde aquela época, a redução do consumo de gorduras e açúcar e aumento da atividade física. Dizia que as gorduras saturadas deveriam ser substituídas por gorduras poliinsaturadas. O consumo de verduras, frutas, batatas, laticínios com baixo teor de gorduras, peixe, carne magra, aves, pão e outros produtos de cereais deveriam ser proporcionalmente aumentado. Portanto, um médico à frente do seu tempo.
Foi, em variados aspectos, uma das figuras mais ilustres da medicina baiana. Reconhecido pela  propedêutica meticulosa e pela paciência de ouvir e dedicar-se aos seus pacientes. 
“Era um médico que ia na casa dos pacientes e levava horas conversando e examinando, incansável na busca do diagnóstico”. Recorda-se Jorge Leocádio de Oliveira Filho. Foi Professor Titular de Clínica Médica da Escola Bahiana de Medicina. Morreu aos 96 anos e evoco aqui a sua grandiosa memória nesse dia solene.

Prezados confrades. O meu muito obrigado por permitirdes entrar na vossa casa. É ainda razão maior de contentamento e honra estar nesse deslumbrante salão, onde mestres da medicina bahiana e importantes oradores fizeram-se presentes. Essa gigante imponência me parece ter sido projetada para nos lembrar da nossa pequenez e fecundar em nós humildade e reverência. Peço licença a esse templo onde a história da medicina brasileira se faz viva e onde a universidade médica no Brasil foi concebida. 

Inicio hoje o meu caminho na Academia de Medicina da Bahia.
A palavra academia é carreada de áurea gloriosa e mítica. 
Nunca é demais rememorar que idealizada pelo confrade Jayme de Sá Menezes, a Academia de Medicina da Bahia foi fundada em 1958. É notabilizado em diversos discursos proferidos nesse sodalício, que apesar do merecimento da primazia, a Academia de Medicina da Bahia teve o seu surgimento relativamente tardio. Segundo Newton Guimarães, a academia é um local onde “respira-se o plácido e morno clima de cultura pela cultura, de saber pelo saber, de Ciência pela Ciência”.
Convido a todos a leitura da conferência de Edivaldo Boaventura, em comemoração aos 38 anos da Academia de Medicina da Bahia, em 1996. 

Segundo Boaventura, a academia é sobretudo “o espaço privilegiado da palavra”. Um espaço preservado para divulgação de obras, ensaios, discussão dos mais diversos assuntos a que a ciência médica está ligada. Entretanto, uma característica da academia, aguçou-me por demasiado os sentidos: a possibilidade do convívio assíduo e cordial com nomes ilustres do saber. Uma oportunidade de boa convivência, de sentir o prazer de ouvir, mais do que falar.

Senhoras e senhores,
Segundo Charles Colton “Sem adversidades, não há maturidade”. Por isso, tomo esse momento como oportunidade de agradecer as pessoas que lapidaram as pedras para que meu caminho fosse menos árduo.  Fizeram diferença em minha vida nomes, os quais faço questão de recapitular. Cito o Dr. Celso Figueroa, um exemplo para mim na Escola Bahiana de Medicina. Os doutores grandes cirurgiões Jorge Rescala e Edvaldo Fahel, no Hospital Ana Nery. Em São José do Rio Preto, o Dr. Miguel Zerati Filho, despertou-me o interesse pela pesquisa e pela urologia pediátrica. Nos Estados Unidos, tive a oportunidade de treinar com o Dr. Ricardo Gonzáles, um dos mártires da urologia pediátrica. Em São Paulo, no meu Doutorado na UNIFESP, destaco o Dr. Antonio Macedo Jr, hoje um grande parceiro e amigo. Na Universidade Federal da Bahia recebi apoio de Professores como o Dr. Antonio Junquilho Vinhaes, Juarez Andrade, Antonio Raimundo Almeida, Álvaro Rabelo e outros. Lá tenho tido a sorte de conviver com o extraordinário grupo interdisciplinar de tratamento das  desordens do desenvolvimento sexual, coordenado pela Dra. Maria Betania Toralles. A professora Maria Luisa Soliani deu-me a alegria de retornar à faculdade que me formei, a Escola Bahiana de Medicina como professor de urologia e permitiu que implantássemos lá o CEDIMI, que é o Centro de Distúrbios Miccionais na Infância. Ir ao CEDIMI às quartas a tarde é mais do que um trabalho, um prazer enorme. Na Bahiana encontrei a generosidade dos Professores Bernardo Galvão e Armênio Guimarães, que me convidaram para fazer parte do corpo docente permanente da Pós-graduação em Medicina e saúde Humana. Inúmeras outras pessoas fizeram ou fazem parte dessa minha trajetória, ora apontando-me o melhor caminho ora compartilhando a estrada. Será impossível nominá-las. A todas, o meu muito obrigado.

A medicina tem me dado alegrias imensas. A assistência deu-me a oportunidade de aliviar a dor e o sofrimento, regozijo maior do ato médico. O ensino deu-me oportunidade de aprender. A pesquisa deu-me a chance de bem pensar. Na minha trajetória tive e tenho oportunidade de conviver com pessoas brilhantes. Essa é uma sorte maior. Um diamante lapidado de um garimpo diário, silencioso, trabalhoso, mas que faço com enorme prazer.

Prezados confrades, chegando ao final não há como não lembrar daqueles que estão ao meu lado, dia após dia. A solidez de minha família permitiu-me a brandura no arrojo da juventude. Tive a oportunidade de crescer num ambiente repleto de amor e essa, sem dúvida, é a energia vital mais gloriosa. Aprendi com meu pai a sabedoria do silêncio, o poder da concentração, o gosto pela leitura e saber. Com minha mãe, a resignação e a capacidade de se doar. Tive a rara sorte de, como filho caçula, ter irmãos que também me serviram de pais. Sou a amálgama deles todos. Com a minha família aprendi a busca incessante da verdade e honestidade. Qualidades imprescindíveis ao ato médico e à produção científica. E como se não bastasse, o acaso gracioso trouxe-me Vivian, companheira de todas as jornadas, desde o início. Com ela, tenho Caio e Isabela, alegrias da minha vida e razão maior da minha existência. 

Caros confrades, é com espírito desprendido que chego a vossa casa. Com a ideia do papa Francisco de que tudo aquilo que se compartilha, se multiplica. Nenhum homem é uma ilha, já dizia Nelson Mandela. A vida não se basta em nós mesmos. Somos apenas o que imitamos e um reflexo do que nos ensinam. Nos une a todos o uso de símbolos para traçar a nossa linha da vida. Por sua enorme razão simbólica, esse dia: 17 de dezembro de 2014 entra definitivamente na minha linha da vida. Nesse momento simbólico grandioso condensa-se a minha história. Fico feliz de poder decantá-la com a presença de amigos e pessoas que admiro. Segundo Vergílio Ferreira, numa situação intensa não sabemos o que dizer. Para isso é que há o formalismo do silêncio, traduzido num abraço de emoção. Esse é o momento do silêncio, o momento do abraço. O meu muito obrigado pela presença de todos nesse momento sublime para mim e sintam-se todos abraçados.

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