Exmo Prof Dr Antonio Carlos Vieira Lopes, MD Presidente da Academia de Medicina da Bahia, em nome do qual cumprimento os demais componentes da Mesa.
Prezados Confrades, família querida e amigos
Privilégio e gratidão. São os 2 sentimentos que prevalecem na noite de hoje.
Privilégio por entrar para esta Casa, onde se encontram os luminares da Medicina baiana. Honraria jamais pensada, e que veio pelo convite inicial do amigo César de Araújo Neto.
Privilégio também por ocupar a cadeira de número 25, cujo patrono é Joaquim Martagão Gesteira. Vamos começar falando dele.
Nasceu em Conceição do Almeida, no recôncavo baiano, em 17 de maio de 1884, filho de Maria Amélia Martagão Gesteira e José Leandro Gesteira. Ali fez o curso primário, vindo para Salvador completar o curso secundário. Sofria preconceito racial por ser mestiço, mas nunca permitiu que isto o abalasse. Entrou para a Faculdade de Medicina da Bahia em 1902, formando-se em 14 de dezembro de 1908, turma do 1º centenário da Faculdade.
Exerceu a clínica pediátrica e logo buscou também exercer o magistério, e em 1909, com um ano de formado, tomou posse como Assistente Efetivo da cadeira de Clínica Pediátrica Cirúrgica e Ortopédica. Em 1910, tornou-se Livre Docente da Clínica Pediátrica Médica, regendo a cadeira até 1912, quando assumiu o cargo de Professor Extraordinário Efetivo de Clínica Médica e Higiene Infantil, após defender a tese “Reação de Schmidt Triboulet – valor diagnóstico nas afecções do lactente”. Dessa forma, foi o primeiro médico na Bahia a oferecer um curso livre nesta área, tendo que lutar para obter um espaço para firmar a escola de Pediatria em nosso estado.
Tornou-se Professor Catedrático de Clínica Pediátrica Médica em 1914 permanecendo até 1937 dedicando-se durante estes mais de 20 anos a coletar dados de óbitos de crianças até um ano, para compreender a causa do alto índice de mortalidade infantil na Bahia. Identificou, sobretudo, problemas higiênicos nas habitações e erros dietéticos Concluiu que o abandono do aleitamento materno nas classes elevadas da sociedade, sob pretextos fúteis e nas classes operarias, obrigadas que eram as mães a passar grande parte do dia nas fabricas, longe dos seus lactentes, era incontestavelmente o principal desses erros dietéticos e o fator primordial da espantosa letalidade da primeira infância.
Esteve a serviço do governo em 1917 e em 1919, foi para a Europa para curso de aperfeiçoamento.
Em 1923 foi um dos fundadores, ao lado do amigo Dr Álvaro Pontes Bahia, da Liga Bahiana contra a Mortalidade Infantil, atualmente denominada de “Liga Álvaro Bahia contra a Mortalidade Infantil”.
Em 1937, já famoso e conhecido em todo o país, deixou a FAMEB, pedindo transferência para a Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro, aceitando convite do presidente Getúlio Vargas para trabalhar na capital federal. Organizou o Instituto de Puericultura, que hoje é vinculado a Universidade Federal do Rio de Janeiro e chama-se Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira. Dirigiu também o Departamento Nacional da Criança.
O seu encantamento ocorreu em 30 de abril de 1954, no Rio de Janeiro.
A Bahia não o esqueceu, prestando várias homenagens, como nome de ruas, escolas e, sobretudo, ao denominar um importante complexo de assistência pediátrica com o nome de Hospital Martagão Gesteira, no bairro do Tororó, em Salvador.
O ocupante seguinte foi o Prof Hosannah de Oliveira, notável Pediatra baiano, nascido em Belmonte, em 22 de setembro de 1902, filho de Francisca Sampaio de Oliveira e Leopoldo Ferreira de Oliveira. Ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual colou grau no ano de 1927. Aluno laureado, seguiu , com esforço próprio, todos os passos da carreira universitária: livre-docente, em 1938; catedrático interino, de 1941 a 1946 e catedrático efetivo, por concurso, a partir de 1946. Ensinou até a compulsória, e clinicou por mais de sessenta anos, quando encerrou a carreira profissional, aos 89 anos. Sempre forte e sadio, chamava a si mesmo “O Sertanejo”. Faleceu em pleno gozo das faculdades mentais, em sua residência, aos 94 anos, no ano de 1996. Homenageado com o seu nome no antigo Centro de Hidratação e Recuperação – CHR, o Centro Pediátrico Prof. Hosannah de Oliveira, Unidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), tem por finalidade o desenvolvimento harmônico dos Sistema de Assistência, Ensino e Pesquisa, voltado à produção de conhecimentos e desenvolvimento tecnológico, centralizando suas atividades no paciente e objetivando desenvolver programas específicos de assistência à Comunidade. O Prof Hosannah deve estar muito orgulhoso desta instituição!
A ocupante que me antecedeu foi a Prof Dra Sonia Gumes Andrade. Baiana da cidade de Caitité, ali nasceu em 1938. Filha de Maria Teodolina das Neves Lobão e Huol Gumes, mudou-se para Salvador em 1941 e em 1948 entrou para a Faculdade de Medicina, tendo concluído o curso em 1953. Nesse mesmo ano a jovem médica casou com o seu colega Zilton Andrade, com quem teve 6 filhos e estão casados até hoje.
Desde muito cedo em sua formação médica, a Profa Sonia se aproximou da patologia e, ao mesmo tempo, foi atraída para o Instituto de Saúde Pública, incorporado à Fundação Gonçalo Muniz, fundada em 1950 pelo então Governador Otávio Mangabeira.
Embora tenha adquirido uma ampla formação em patologia das doenças parasitárias, a Prof Sonia Andrade se notabilizou pelos estudos em doença de Chagas experimental. Nos anos 60 seus estudos se consolidariam em torno das diferentes cepas do Trypanosoma cruzi. Paralelamente à pesquisa, a Prof Sonia se dedicou à docência desde que se formou, exercendo esta atividade na cadeira de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina.
Conceituada em sua área de atuação, a Profa Sonia tem 124 artigos publicados em importantes revistas nacionais e internacionais e coleciona uma série de prêmios e títulos científicos. Sonia Andrade se aposentou como Professora Adjunta da UFBA em 1995, e no ano seguinte como pesquisadora titular do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, permanecendo ainda trabalhando por longo tempo neste Centro. Ela também integra várias associações científicas nacionais, sendo sócia emérita da Sociedade Brasileira de Patologia (2013) e da Academia de Medicina do Bahia, onde entrou em 1998. Cedeu a vaga, portanto, para esta que vos fala.
Falamos do privilégio de aqui estar e suceder a estes extraordinários médicos. E a gratidão? Ah, esta é infindável.
Gratidão iniciando com meus pais, transmissores incansáveis de valores éticos, morais e religiosos. À família Mendonça, numerosa, unida e amorosa, hoje aqui presente. A pequena família nuclear, formada pela irmã, sobrinhos, sobrinha-neta e sobrinhos “postiços” Elias e Wanderson.
E na vida profissional? Ah, aí é uma plêiade de pessoas que me inspiraram, me ensinaram, me estimularam e me ajudaram.
Ainda no curso médico, tive um Mestre que foi o exemplo permanente de profissionalismo e dedicação à Medicina: o Prof Antonio Jesuíno Neto, Mestre dos Mestres. Inesquecível!
Ao Prof José Américo Fontes que me ensinou os primeiros passos na Pediatria ainda no 3º ano de Medicina e foi o meu 1º empregador, no Pronto Socorro Pediátrico, da Cidade Baixa.
Ao Prof Jamal Wehba, da Escola Paulista de Medicina, que, sem o saber, plantou a semente do amor à Pediatria em minha mente.
E aí, fui mais uma vez privilegiada. Na Residência da Cruz Vermelha Brasileira, tive como Preceptora, esta baiana modelar, Dra Maria Clara Faria, a quem dediquei o meu memorial. Exemplo de competência, de justiça, de ética e de muitos outros valores e a quem devoto uma admiração e um respeito eternos. Continua sendo a minha fonte de inspiração e um problema de saúde de último instante a impediu de estar conosco nesta noite.
Dois médicos foram responsáveis por transformarem a minha vida profissional: O Dr Jorge Bahia de Carvalho, quando me convidou para ser Preceptora de Residentes no Hospital Martagão Gesteira em 1973 e posteriormente me encaminhou para os estágios em Buenos Aires e em Paris e o Prof Dr Nelson Barros, que em 1975 convidou-me para fazer o concurso de Auxiliar de Ensino da Faculdade de Medicina da Bahia e desde então levou-me à Presidência da Sociedade Baiana de Pediatria, Assistente para a Escola Bahiana de Medicina, nos abriu as portas do Hospital São Rafael, ao lado do Dr Renilson Rehen, em 1997 e neste mesmo ano para a Academia Brasileira de Pediatria.
Dr Jorge Bahia de Carvalho e Dr Nelson Barros, no plano em que estão, saibam que o meu reconhecimento, minha admiração e minha gratidão perdurarão até meus últimos dias de vida.
Mas, foi no Martagão que encontrei o grande parceiro de vida: Roque Andrade. Foi meu descobridor e a ele devo o interesse pela Oncopediatria, o estímulo para seguir a especialidade, uma sociedade que perdura até hoje e ainda presenteou-me com sua linda família, que está incorporada à minha biológica. Obrigada, meu sócio!
Na ONCO, além de Roque, tive sociedade com Gildete Lessa e o saudoso Adalberto Freitas. Formamos um quarteto sempre unido por um profundo sentimento de confiança e de respeito.
Ainda nesta caminhada inicial entrei na Promedica e tive um reencontro com Eraldo Moura Costa, “meu chefe”, como sempre o chamei e que partiu tão precocemente.
Agradecimento profundo a Roberto Sá Menezes e Mariléa Checucci. Foram os primeiros a me apoiarem e me ajudarem a fundar o Grupo de Apoio à Criança com Câncer – Bahia. Foi através de Roberto que cheguei a D. Ieda Barradas Carneiro, então 1ª Dama do Estado e que nos concedeu em comodato um imóvel na Trav Padre Miguelinho (esquina do Tororó). Com mais 37 amigos, fundamos em 05 de janeiro de 1988 o nosso GACC, alvo de permanente solidariedade da comunidade baiana.
A inúmeros médicos baianos, que se ocuparam graciosamente de nossos pacientes atendendo a cada solicitação, em seus serviços e consultórios.
Ao Hospital São Rafael, que nos acolheu em 1997, quando do fechamento do Centro de Oncologia Infantil do Martagão até os dias de hoje, com um alto nível de comprometimento com a recuperação da saúde de cada um de nossos pacientes.
Não poderia deixar de agradecer aos meus ex-alunos, internos e Residentes. Como sofreram em minhas mãos! Mas, muitos deles estão aqui hoje, o que significa que não guardaram rancor das minhas exigências e dos meus carões. Tenho que fazer uma especial menção à equipe de Oncopediatria que me acompanhou no tratamento destes milhares de pacientes. Em ordem alfabética (para não gerar ciúmes): Cynthia Curvello Neves Correia, Dora Márcia Alencar, Flávia Nogueira, José Henrique Silva Barreto, Jozina Agareno, Lilian Burlacchini, Maria Dolores Fonseca Dórea e Maurício Meira. Nossa jornada foi longa e profícua. Salvamos muitos pacientes (alguns deles estão conosco, nesta noite), perdemos outros, sofremos muito, mas fomos felizes com cada vitória, cada cura alcançada, cada convite de formatura, de casamento e de comunicação de chegada dos nossos netos. E até bisnetos já temos.
A Oncologia Pediátrica na Bahia nasceu em 1976. E floresceu. Hoje temos 4 serviços em Salvador: Hospital Aristides Maltez, Hospital Martagão Gesteira, Hospital Santa Isabel e Hospital São Rafael. No interior temos o Hospital Manoel Novais em Itabuna e o Hospital Estadual da Criança em Feira de Santana. Aqui cabe um agradecimento especial ao Dr André Guanais, que me convidou a instalar o serviço neste magnífico hospital público, com o apoio do então Secretário Estadual de Saúde Dr Jorge Solla e da então Diretora do HEC, Dra Edilma Reis, uma querida ex-aluna. Nossa equipe continua trabalhando naquela casa com um entusiasmo sem fim.
Aos nossos pacientes, fonte inesgotável de aprendizado e de troca de amor. Eles são a essência de nosso trabalho.
Aos meus médicos queridos Tania Reis, Eduardo Teixeira, Jecé Brandão e Jorge Pereira que com tanto carinho cuidam da minha saúde.
Aos amigos de Aracaju que se deslocaram até aqui para o abraço desta noite.
Como ainda teria muito que agradecer, peço desculpa se deixei de registrar pessoas que foram importantes em minha vida, mas vou finalizar estes agradecimentos nominando o Acadêmico César de Araujo Neto, idealizador de minha candidatura, Acadêmico Jorge Pereira, amigo de longa data e que me estimulou ao mesmo tempo que nosso Cezinha e ao Presidente desta Casa, Prof Antonio Carlos Vieira Lopes, que me mandava mensagens semanalmente, me lembrando a data-limite para a inscrição, os documentos requeridos, me informando que o memorial passaria por um crivo de 3 Acadêmicos para depois ir para a Assembleia e só então eu seria aceita (ou não!)
Vejam, senhores, a minha responsabilidade. Corresponder ao voto de confiança dado por estes luminares da Medicina baiana. Agradeço profundamente a cada um deles e, como prometi, farei o possível (e o impossível) para bem cumprir as normas da Academia de Medicina da Bahia.
A Deus, renovo os votos de minha fé inabalável e de gratidão por todas as bênçãos recebidas até então.
Obrigada pela presença de todos.