Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Fábio Vilas-Boas Pinto
Fábio Vilas-Boas Pinto
Titular - Cadeira 41
01/07/2016
20:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de Fábio Vilas-Boas Pinto

EDGARD SANTOS E A MODERNIZAÇÃO DA MEDICINA DA BAHIA

Sinto-me muito honrado de estar aqui hoje e eternamente grato à Academia por ter sido eleito para este silogeu. A Academia é um colégio de ciências. Seus associados ostentam títulos de universidades nacionais e estrangeiras e são reconhecidos por se destacarem ao longo da vida com suas contribuições ao desenvolvimento da Medicina. É, portanto, um mérito e um galardão ser eleito e ocupar pela primeira vez a cadeira de número 41, passando a integrar o seu quadro de titulares acadêmicos "Ad immortalitatem", rumo à imortalidade. 

Em uma tradição que remonta aos primórdios, a eleição para a Academia, também é uma chamada para servir. Através de seus projetos, publicações e eventos, a Academia oferece membros com oportunidades para trabalhar pela causa comum. Os membros recém-eleitos, juntar-se-ão aos mais antigos, para contribuir nesse trabalho importante e gratificante - e para ajudar a produzir conhecimento útil.

Robert Frost, poeta norte-americano do início do século passado, no seu clássico poema “The Road Not Taken”, a estrada não trilhada, nos fala sobre as escolhas da vida:

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
Because it was grassy and wanted wear;

I shall be telling this with a sigh
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference

“Uma estrada dividia-se em um tronco amarelo. 
Uma era claramente a mais usada e, a outra, a grama reluzia jamais pisada. 
Escolhi a menos viajada e isso fez toda a diferença.”

Assim é a vida. Feita de escolhas. Às vezes somos tentados a percorrer o caminho mais fácil, quando os mais espinhosos podem nos levar onde muitos jamais estiveram.

O filósofo alemão Karl Weber nos ensina que há duas maneiras de fazer política: Ou se vive para a política, ou se vive da política. Quem vive para a política, a transforma, no sentido mais profundo do termo, em um fim para sua própria vida, porque o exercício dessa atividade lhe permite encontrar o equilíbrio e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma causa que dá significação a sua vida. Alguns homens adquirem o direito de introduzir os dedos entre os raios da roda da história e modifica-la. Para tanto, é preciso ter paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção/ equilíbrio. A paixão é o sentimento comum e indispensável à ciência e à política, que ao habitar dentro do homem, o transforma no elemento modificador do seu meio. 

Não tenho qualquer dúvida que Edgard Santos foi um desses homens apaixonados, que escolheu a estrada menos viajada, viveu para a política e trabalhou para a sua eternidade.


EDGARD:
Foi motivo de grande regozijo e um verdadeiro privilégio, imergir-me na vida de Edgard Santos. Não tive a oportunidade de conviver com essa insigne personagem da nossa história. Nem mesmo temporalmente, posto que quando do meu primeiro grito neste mundo, Edgard já partira para a eternidade havia cinco anos. 

Rever a vida de Edgard é rever a história da Bahia, a história da nossa Universidade e, particularmente, a história da nossa Medicina ao longo de toda a primeira metade do século XX.

A grande maioria de nós que hoje aqui nos reunimos, igualmente não teve a oportunidade de conhecer Edgard Santos. Diria ainda, que pelos mais de 50 anos da sua partida, muitos não possuem a verdadeira dimensão da relevância que Edgard teve para o desenvolvimento da sociedade baiana. É uma honra e uma enorme responsabilidade, reavivar para os senhores, a memória desse grande brasileiro, de cuja cadeira desta Academia, serei o primeiro ocupante.

Edgard Rêgo Santos, nasceu em Salvador, a 8 de janeiro de 1894. Era filho de João Pedro dos Santos e de Amélia Rêgo Santos. Seu pai foi um advogado brilhante, que desenvolveu extensa carreira política, tendo ocupado diversas secretarias estaduais no Governo da Bahia, foi Deputado federal em várias legislaturas e promotor estadual em Nazaré das Farinhas, aposentando-se como Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. O seu tio paterno, Pedro Joaquim dos Santos, também bacharel de direito, chegou ao ápice da carreira de juiz como Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Sua mãe, Amélia, pertencia a uma próspera família de destacados homens de negócios da Cidade de Salvador, na segunda metade do século XIX.

Um evento histórico nos ajuda a entender como um predestinado ao Direito, terminou por trilhar a carreira médica. Seguindo a tradição familiar, aos 17 anos e residindo num casarão do Pelourinho, quase em frente à igreja do Rosário dos Pretos, o jovem Edgard preparava-se para ingressar na Faculdade de Direito, quando, no início de uma tarde do ano de 1912, teve sua rotina interrompida pelo estampido de canhões que se anunciavam vindo de todos os lados. Durante 20 minutos, um tiro por minuto, 20 projéteis oriundos do Forte São Marcelo, atingiram o Palácio Rio Branco, naquela época sede do Governo; no meio da tarde, o bombardeio se originava do Forte do Barbalho, atingindo vários prédios da Rua Chile. O centro da capital da Bahia estava em fogo cruzado. Ardia em chamas a Biblioteca Pública da Bahia datada de 1811; o povo se desesperava. Uma disputa política envolvendo a renúncia do governador eleito Araújo Pinho, a oposição da maioria da Assembleia Legislativa à posse do Vice-Governador Aurélio Viana, e manobras de políticos ligados a José Joaquim Seabra, culminaram com a tentativa de deposição do Vice-Governador mediante ação militar.

As labaredas que tomavam conta de parte da nossa história, também consumiam naquela tarde a ilusão do jovem Edgard com a justiça, e o tão sonhado curso de Direito já não lhe parecia mais a forma correta de mudar o mundo. 

Edgard optou então pela estrada menos caminhada. Abandonava a certeza da carreira jurídica de sucesso, enormemente facilitada pela influencia familiar e partia para trilhar o caminho desconhecido. Tinha a apoiá-lo, ainda que distante, o tio Antônio Luiz do Rêgo, cirurgião bem sucedido em São Paulo, com quem mais tarde viria a trabalhar no início da carreira.

Foi assim que o Direito perdeu um grande jurista e a Medicina acolheu aquele que viria a se tornar um dos agentes modificadores mais visionários e eficazes da história recente do nosso estado.

Pode se dizer que Edgard, entre outros feitos, merece ser lembrado por três grandes contribuições: 

1)    Pela criação da Universidade da Bahia
2)    Pela sua influência na cultura baiana
3)    Pela ampliação e modernização da medicina em nosso estado

Muito já foi dito e escrito das suas contribuições culturais e universitárias. Irei relembrá-las com brevidade ao final, para que todos tenham conhecimento da grandiosidade de Edgard Santos. Mas nesta noite, me deterei na relevância das suas contribuições para a Medicina, cuja cadeira de número 41 patroniza com galhardia.

Edgard formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia no ano de 1917, tendo sido orador da sua turma. Naquela época ainda não havia residência médica, mas São Paulo já se anunciava como o grande centro da medicina nacional que viria a se consolidar ao longo do último século. Edgard se dirigiu então, para trabalhar junto ao seu tio materno, o brilhante cirurgião geral Antônio Luiz do Rego, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1888.

Após quatro anos de formação complementar, tornou-se cirurgião habilidoso e já começava a ser reconhecido na medicina paulista. Foi aí que, em viagem de férias para a Bahia, conheceu a jovem Carmen Kelsch Figueira, com quem viria a se casar. 

A viagem de lua de mel pela Europa teve ares de pós-graduação. Nesse período, frequentou importantes serviços de cirurgia na Alemanha, França e outros países, sempre com um olhar crítico e fazendo analogias com a medicina praticada no Brasil. Naquela época, a sistematização do conhecimento e das técnicas ainda não era de domínio universal. Havia um elevado grau de personificação dos procedimentos nas condutas pessoais do Professor Catedrático ou do Cirurgião Chefe. Talvez tenha sido essa uma das grandes decepções de Edgard e o que tenha contribuído para, nas décadas seguintes, investir profundamente na modernização do pensamento acadêmico e da medicina em nosso estado.

Em 1924, ao retornar da Europa, optou por fixar residência em Salvador, abrindo consultório de cirurgia geral e iniciando seus preparativos para a carreira acadêmica, que naquela época era fundamental para o sucesso profissional. Em 1927, foi aprovado em concurso para a cátedra de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Bahia. 

Em 1935, foi eleito para a Diretoria da Faculdade de Medicina, dando início a sua longa carreira como administrador público. Subsequentemente, foi eleito para vários mandatos de Diretor da Faculdade, até que ocupou a Reitoria da Universidade, por ele implantada em 1946. 

Entre as mais importantes realizações de Edgard Santos na área da Saúde, vale destacar a inovação e a modernização da atenção hospitalar, com a construção, aquisição de equipamentos e o novo modelo de gestão de dois novos Hospitais de grande porte: o Hospital do Pronto Socorro e o Hospital das Clínicas.

Para entender o que isso significou, é preciso contextualizar a prática médica da época. O ensino médico na Bahia, até meados do século passado, era realizado quase exclusivamente no Hospital Santa Izabel da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, cujas condições da centenária instituição filantrópica eram bastante precárias, bem diferente do que verificamos hoje. Não apenas faltavam insumos, mas as condições de higiene e assistência eram muito limitadas. Os pacientes que eram ali atendidos, considerados indigentes, muitos preferiam permanecer residindo nas enfermarias a terem que retornar para seus lares, quando os possuíam. A assistência era prestada por freiras, na base de uma para cada 20 ou 30 pacientes.

No início da década de 1930, Juracy Magalhães foi nomeado interventor no Estado da Bahia e, mais tarde, tornou-se Governador do Estado. Edgard vislumbrou ali uma grande oportunidade para melhorar as condições da saúde da Bahia. Suas conexões políticas e familiares permitiram que  fosse nomeado para a direção do único Serviço de Pronto Socorro existente na Cidade do Salvador, subordinado à Secretaria Estadual de Educação e Saúde, conhecida como "Assistência Pública". Esse serviço, na época, funcionava precariamente em instalações obsoletas existentes na Rua do Tesouro. Nomeado Diretor por Juracy Magalhães, Edgard percebeu que poderia utilizar sua influencia para construir um novo e moderno hospital, que pudesse atender toda a demanda de urgência e emergência da capital, como também servir de campo de ensino e treinamento de estudantes e médicos. Nascia ali a integração docente-assistencial. Foi ali também que nasceu o projeto daquele que viria a se tornar o primeiro hospital moderno da Bahia, o Hospital de Pronto Socorro, posteriormente denominado Hospital Getúlio Vargas. Para tanto, deveria haver, para sua operação, um convênio a ser estabelecido entre o Governo do Estado e o Governo Federal. 

Ao longo de quatro anos, o hospital foi construído e equipado com o que havia de mais moderno. Pela primeira vez, se encontravam reunidos laboratórios, equipamentos de imagem e toda a infraestrutura de apoio diagnóstico e terapêutico. Para estruturar a assistência de enfermagem, Edgard providenciou a vinda de enfermeiras alemãs, integrantes da ordem religiosa de Nossa Senhora da Conceição, e que já serviam no Hospital Espanhol, do qual também era Diretor Clínico. A menos de dois meses da inauguração, Getúlio Vargas deu o golpe e implantou o "Estado Novo". Juracy Magalhães, a quem Edgard Santos era ligado, não aderiu ao golpe e renunciou ao restante do seu mandato de Governador, com profundas mudanças no equilíbrio político da época. Edgard se viu obrigado a deixar a Diretoria do Serviço Estadual de Emergência, e por perseguição política, já que era temido como potencial candidato ao governo, ficou o Hospital de Pronto Socorro fechado, sem inaugurar, vindo a abrir apenas cinco anos depois, para atender às vítimas do torpedeamento de embarcações em costa brasileira, por submarinos alemães. 

Àquela época, os serviços médicos eram espalhados em pavilhões independentes. Haviam os ambulatórios de especialidades, os laboratórios, os serviços de radiologia, etc, funcionando em clínicas e hospitais privados ou filantrópicos. Ao serem internados, os pacientes tinham que peregrinar pelos diferentes serviços, realizando exames e consultas fora dos hospitais. Graças ao seu prestígio pessoal e às suas boas relações, Edgard também havia conseguido recursos para a construção de um outro grande hospital de ensino na Bahia. O modelo sugerido por Edgard, propunha concentrar dentro de uma única edificação verticalizada, todos os antigos pavilhões, serviços e clínicas até então descentralizados. Com o fim do Estado Novo, após 10 anos desde a ordem inicial de serviço, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Bahia, foi inaugurado em outubro de 1948, o mesmo que hoje leva seu nome, Hospital Universitário Professor Edgard Santos.

Para dar suporte a sua visão de modernização, Edgard, criou na mesma ocasião, a Escola de Enfermagem de nível superior. Esse foi um marco na mudança da atenção hospitalar do nosso estado. O modelo amador, centrado na ação de freiras, tecnicamente e cientificamente limitadas, viria a ser substituído pela profissionalização e incorporação de protocolos científicos, dando início à enfermagem moderna. Não foi sem resistência que Edgard conseguiu impor essa sua visão. Seus colegas catedráticos, acostumados à centralização das decisões na figura do médico, demoraram a aceitar um novo modelo que dividia responsabilidades e, portanto, poder. 

O novo e moderno hospital, trouxe várias inovações. O programa de residência hospitalar, talvez tenha sido uma das mais importantes inovações implantadas por Edgard. Esse programa exemplar, que permitia treinamento sob supervisão aos médicos recém formados, rapidamente se tornou modelo para todo o país.

A Universidade
Ontem, neste mesmo recinto, celebramos os 70 anos da nossa Universidade Federal da Bahia. Nada mais oportuno do que aqui, fazermos uma reflexão sobre o papel do seu fundador.

A mesma visão de integração de serviços, implantada no Hospital das Clínicas, fez com que Edgard ampliasse o seu olhar para a situação das faculdades baianas, naquela época independentes e descoordenadas. 

Com a conclusão do Hospital se aproximando e, novamente, graças às suas excelentes relações pessoais, Edgard conseguiu que o recém nomeado Ministro da Educação e Saúde, Ernesto de Souza Campos, professor de microbiologia da USP e seu amigo de longas datas, determinasse a criação de uma Universidade, federalizando diversas faculdades baianas, mantidas por entidades privadas. Em 8 de abril de 1946, foi criada por decreto a "Universidade da Bahia", para em seguida ser inaugurada a 2 de julho do mesmo ano. Coube a Edgard a coordenação de todo o processo de federalização e integração, tendo sido logo eleito e nomeado Reitor para um mandato inicial de três anos.

Inicialmente, vieram a Escola Politécnica e as Faculdades de Direito, de Economia, de Filosofia, Ciências e Letras, de Geologia, e o curso de Jornalismo. Durante seus sucessivos mandatos, o Reitor Edgard promoveu a criação de vários outros cursos superiores antes inexistentes, como os de Enfermagem, Nutrição, Administração, Jornalismo, Geociências e Biblioteconomia.

A Cultura
Mas Edgard não era apenas um excepcional cirurgião, catedrático e gestor público. Com forte influencia europeia na sua formação, não se conformava com o primitivismo da cena cultural da Bahia. Foi assim que decidiu implantar escolas superiores nos campos da Música, Dança e Teatro, inicialmente trazendo artistas importados e progressivamente fomentando os talentos locais. 

Edgard tinha a arte como um dos pontos estratégicos do seu reitorado. No teatro, na dança e sobretudo na música, investiu fortemente. Trouxe o maestro e musicólogo alemão Koellrreutter como diretor, que com todo apoio do Reitor, contratou professores de todos instrumentos de origem europeia, sobretudo alemã, facilitado naquela época pela proximidade do fim da segunda guerra mundial. Todo esse movimento também envolveu a Escola de Teatro e Dança e gerou um caldo cultural que permitiu a formação, não só de artistas baianos, mas, sobretudo, de novos conceitos culturais surgidos na Bahia, como o Cinema Novo, a Tropicália e, inclusive, a Bossa Nova, já que Koellrreuter foi responsável pela formação musical de Tom Jobim no Rio de Janeiro e, mais tarde na Bahia, quando Tom vinha reencontrar o mestre por ocasião da realização dos Seminários de Música, eventos que ocorriam nos meses de julho.

Edgard teve uma visão quase profética do potencial artístico dos baianos, ao promover formação para desenvolvimento dos talentos locais e quebrar uma visão elitista da simples promoção de eventos com artistas em turnê, e da cultura como artigo de consumo dos bem aquinhoados. Com isto, a Bahia foi alçada à condição de produção original de cultura, fruto da miscigenação da tradição europeia clássica, com as características de origem locais, já fruto de uma anterior miscigenação luso-africana.

Fica evidente, pelo que vemos, que o projeto construtivo da própria Reitoria, este exato prédio onde agora estamos, ao privilegiar este salão nobre, além de oferecer espaço para as celebrações solenes curriculares próprias, teve a digital do Reitor Magnifico, projetando-o também para as apresentações do que viria se constituir como a Orquestra Sinfônica da UFBa, que dialogava com a cidade, geralmente às sextas feiras, com a presença assídua do seu criador na sacada superior. 

Merece destaque ainda, a restauração do antigo Convento dos Carmelitas Descalços, transformando-o no Museu de Arte Sacra, um dos mais belos monumentos da arte colonial barroca no Brasil. Na sua preciosa Capela de Santa Tereza, cópia fiel da existente em Évora, tive a alegria de casar-me com minha esposa Luciana há 22 anos.

Ao longo dos seus 15 anos como Reitor, Edgard liderou a construção dos prédios da Reitoria da Universidade, das instalações atuais da Escola Politécnica e das Faculdades de Direito, de Odontologia e de Economia. Liderou ainda, a aquisição e a adaptação das instalações da Escola de Teatro, de parte das Escolas de Música e de Geociências, da Faculdade de Farmácia, das Residências Universitárias e do Restaurante Estudantil.

Um aspecto que considero peculiar da vida de Edgard Santos diz respeito a sua consciência social. É irrefutável que Edgard tenha pertencido a uma elite econômica, social e intelectual. Pelo que se depreende dos textos sobre a sua vida, Edgard defendia a tese da meritocracia intelectual. Ou seja, os espaços deveriam ser conquistados pelo mérito daqueles que conseguissem se destacar através do intelecto. Isso não significava, entretanto, privilegiar uma elite econômica e social. Edgard acreditava no estímulo e apoio aos menos favorecidos econômica e socialmente, porém privilegiados intelectualmente. Sob a inspiração de Edgard à frente da Reitoria, de forma inovadora e pioneira para todo o Brasil, inaugurou a assistência aos estudantes universitários de famílias carentes. A Universidade, sob sua direção, adquiriu antigos casarões de Salvador, dois para a residência de estudantes do sexo masculino, e outro para as do sexo feminino. Em um desses, foi implantado o restaurante para estudantes cujas famílias residiam fora de Salvador e que passaram a receber alimentação de qualidade, supervisionada pelo próprio Reitor, que lá almoçava regularmente.

Reeleito para a Reitoria por mais quatro mandatos, no total de quinze anos à frente da Instituição, até 1952, ganhou o epíteto de o “Reitor Magnífico”, dado pelo Senador Ruy Santos.

Mas não foi sem uma grande decepção que encerrou seu Reitorado. Aos 67 anos, faltando apenas três para aposentadoria, enfrentou sua quinta eleição para Reitor. O Presidente da época era Jânio Quadros. Famoso pelas suas incongruências, levou Edgard a construir uma grande articulação política para sua reeleição, obtendo do Presidente da República o compromisso de nomeá-lo, ainda que ficasse em segundo lugar da lista. Concluída a lista tríplice, Edgard despontou em primeiro lugar. Ao fazer a nomeação, para surpresa de todos, o Presidente nomeou o segundo candidato da lista, Alberico Fraga.

Àquela altura da vida, já não havia mais consultório privado e Edgard simplesmente não tinha com o que se ocupar. Durante três meses recolheu-se à sua biblioteca domiciliar para estudos e reflexões, quando surgiu o convite do Ministro da Educação, o ilustre baiano Antônio de Oliveira Brito, para fazer parte do recém criado Conselho Federal de Educação, tendo sido logo eleito presidente do conselho.

Neste mesmo ano de 1962, ao submeter-se no Rio de Janeiro a uma cirurgia de hemorroidas, vitimou-se de morte súbita, supostamente atribuída e embolia pulmonar maciça. 

Seus restos mortais se encontram hoje na Capela de Santa Tereza do Museu de Arte Sacra, para onde, posteriormente, foram transferidos os restos mortais da sua esposa, Dona Carmen Figueira Santos.

Conclusão:
Tudo isso devemos a Edgard Santos e sua visão de alta sensibilidade artística, percepção diagnóstica arguta e uma exímia capacidade de gestão.

Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês, conhecido de todos, dizia: 
« N’espère rien de l’homme s’il travaille pour sa propre vie et non pour son éternité ». 
(Não espere nada de um homem se ele trabalha para sua própria vida e não para sua eternidade).

Tenho a certeza que o Dr. Edgard, mais do que ninguém viveu para a eternidade. Não duvidem que ele esteja aqui hoje, assistindo a esta sessão, sentado na sua Magnifica Cadeira na sacada aos fundos, como fazia regularmente às sextas feiras nos concertos da Orquestra Sinfônica das décadas de 50 e 60.

Já o nosso trabalho nesta Academia, está apenas a começar. O que conseguiremos juntos fará a diferença em centenas de vidas. Vamos nos empenhar e continuar esta jornada com mais dedicação do que nunca. Se fizermos isso, muito progresso alcançaremos nos próximos anos.

Albert Paine, escritor americano do começo do século passado, mais conhecido como parceiro de Mark Twain, autor de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, dizia que: 

“O que fazemos por nós mesmos morre conosco. O que fazemos para os outros e para o mundo permanece e é imortal.”

Às vezes nossa própria luz apaga-se e é reacendida por uma faísca de outra pessoa. Cada um de nós tem motivos para pensar com profunda gratidão daqueles que acenderam a chama dentro de nós. 

Nas palavras do grande orador Cícero:

“Gratidão não é apenas a maior das virtudes, mas a mãe de todas as outras.”

Estou especialmente grato a algumas pessoas, cujo apoio em diferentes momentos da minha vida é a razão de eu estar aqui hoje:

·    Ao meu Deus, que se revelou para mim ainda aos meus 13 anos e desde então nunca me abandonou. 
·    Ao Jesuítas do Colégio Antônio Vieira, que forjaram o meu caráter nos ensinamentos de Santo Inácio de Loyola. “Ad Maiorem Dei Gloriam”. Para a maior glória de Deus. E ao Padre Luís Simões, Pároco da Igreja da Vitória, hoje meu guru religioso.
·    Ao Prof. Roberto Badaró, a quem aprendi a admirar pelo seu caráter, obstinação e amor à ciência. Através das mãos de Badaró cheguei a esta Academia.
·    Ao Prof. Gilson Soares Feitosa, que me acolheu recém saído da Residência de Cardiologia e se tornou meu amigo e orientador, não apenas na Medicina, mas na vida. Dr. Gilson em seus braços entreguei a minha carreira; veja até aonde conduziu este           seu filho.
·    Aos Profs. Edimar Bocchi, meu orientador de Doutorado na USP e Ricardo Ribeiro dos Santos, meu co-orientador na FIOCRUZ, ambos, com profunda influência na minha formação de pesquisador, médico e cientista. Ambos meus grandes e eternos               amigos.
·    Ao Prof. Jorge Pinto Ribeiro, in memoriam, uma das pessoas mais inteligentes que conheci. Professor da Pós-Graduação da UFRGS, meu amigo, meu inspirador, meu conselheiro, que a vida levou precocemente para os céus, provavelmente porque lá           em cima talvez estivessem precisando de alguém para pensar diferente.
·    Ao Prof. Carlos Alfredo Marcílio de Souza, também in memoriam, o primeiro exemplo de Médico que busquei seguir, ainda estudante, que me introduziu no mundo da pesquisa e nunca se furtou a orientar-me até os seus últimos dias.
·    Ao Prof. Jackson Noya Costa Lima, a quem comecei a acompanhar desde quando seu aluno, ainda no 2o ano de Medicina da UFBA, meu Mestre, meu amigo, meu colega de consultório e meu compadre. A amizade é como um cofre de poupança, um           dia se põe, um dia se tira. Jack, eu nunca poderei retribuir o tanto que você me deu ao longo das nossas vidas.
·    A Jadelson Andrade, colega, amigo, empreendedor de escol, que acreditou num jovem e me levou ao seu lado nas suas empreitadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e na sua grande obra, o Hospital da Bahia.
·    Ao Governador Rui Costa, meu amigo há um quarto de século, a quem tive a felicidade de acompanhar seu crescimento pessoal, tornando-se um dos maiores políticos que essa terra já viu, e a sua esposa Aline, companheira, amiga, exemplo de mulher         empreendedora que deixará seu nome em todos os lugares onde vier a desempenhar suas funções. Governador, V. Exa. me deu a oportunidade de uma das mais enriquecedoras experiências que o ser humano pode ter: trabalhar em favor da saúde de         um povo, deixar de cuidar dos corações de uns, para cuidar dos corações de todos os baianos.
·    Aos meus pais, aqui presentes, mesmo com as enormes dificuldades decorrentes das mais de 8 décadas de vida. Minha mãe, Dilce, formada em línguas, professora de inglês dos Colégios Central e Severino Vieira, autora de livros didáticos na sua área,       até hoje ainda aperfeiçoa seu inglês, francês e alemão. Meu pai, Cícero, advogado, procurador, poeta, romancista, membro da Academia de Letras e Artes da Bahia, até hoje encontra prazer na boa leitura e nas óperas italianas, das quais é um dos                 grandes conhecedores da nossa terra. Meu pai e minha mãe: vocês foram e ainda são meus exemplos de correção, devoção à família e sobretudo, de perseguição obstinada pelo aperfeiçoamento intelectual e cultural. ·    Ao meu inesquecível Dindo                Gabino Kruschewsky, de saudosa memória. Há quem diga que nos parecemos mais com nossos padrinhos que com nossos pais. O certo é que o meu querido e amado dindo teve uma grande influência na minha vida e na minha personalidade. 
·    A minha esposa Luciana e aos meus filhos, Letícia e Gustavo. Palavras nunca serão suficientes para expressar o quanto eu amo vocês! Vocês são a razão da minha vida. A faísca que reacende a minha luz todas as vezes que ela está se apagando. Lu,         desculpe se não lhe digo tantas vezes, quanto deveria, que te amo. Eu te amo! Guga, Leti: Papai te ama! Papai tá aqui! 
·    Aos meus sogros, pais por adoção, D. Marita e Dr. Joaquim, este de saudosa memória. Eu tenho certeza que o “meu patrão” estaria radiante de me ver aqui hoje.
·    A todos os meus grandes amigos, desde aqueles da minha primeira infância, até os mais recentes, cada um de vocês faz parte de mim.

Muito obrigado a todos. 
 

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