É com grande honra e júbilo que venho ocupar este nobre púlpito para discursar, conforme é a tradição desta egrégia e centenária Academia, quarenta e seis anos após, ter, deste mesmo lugar, pronunciado a saudação ao Professor Plínio Garcez de Sena, paraninfo da minha turma de 1965, pela Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
Prometo não me alongar muito, apenas 15 protocolares minutos, mas tentarei transmitir este misto de razão e emoção que me invade ao ingressar nesta Academia, uma emoção determinista, melhor traduzida nas palavras de Espinoza, “o que acontece conosco, acontece por uma razão”.
Muito emocionado, as primeiras palavras desta oração, são de sinceros agradecimentos a cada um dos senhores que compõem a Academia de Medicina da Bahia, por me acolherem a partir deste momento solene. Plagiando o Papa Francisco, que Deus os perdoe.
Este andar acadêmico não seria possível se não fosse a intervenção quase divina, entre outros, de dois eminentes professores que me iniciaram na carreira médica e científica, coincidentemente, ambos, meus antecessores na cadeira que passarei a ocupar. Refiro-me ao Professor José Adeodato de Souza Filho e ao Professor Elsimar Coutinho, primeiros influenciadores na minha trajetória como professor de obstetrícia e pesquisador da OMS.
Responsabilizo igualmente aos meus mestres, (daqui identifico........) pelos bons ensinamentos que me transferiram, bem como, aos meus alunos, por acreditarem nos meus propósitos de ensinar-lhes com muita dedicação e amor à causa. Da mesma maneira, atribuo aos meus colegas médicos, amigos e familiares, uma grande parcela dos meus êxitos, por me aceitarem com os meus defeitos e pecados.
DO PATRONO E DOS QUE OCUPARAM A CADEIRA 26
Faz parte do protocolo, que o novel Acadêmico lembre e homenageie os seus predecessores na cadeira que virá a ocupar. No meu caso, sou recipiendário da cadeira número 26.
A evocação destas brilhantes personalidades nos remete ao verdadeiro sentido da imortalidade acadêmica.
O poeta austro-húngaro Rainer Maria Rilke nos dá um sopro sábio e angelical sobre a imortalidade, na primeira de suas Elegias de Duíno:
“E o estar-morto é penoso e pleno de tentativas para chegar a sentir, enfim, um pouco de eternidade”.
– Mas os vivos cometem, todos, os erros de distinguir em demasia.
Os anjos (dizem) muitas vezes não sabem se andam entre vivos ou mortos.
“A torrente eterna arrasta todas as idades pelos dois domínios, para sempre, e, nos dois, os sobrepuja.”
Inicio esta saudação, pelo Professor José Adeodato de Souza.
O Professor José Adeodato de Souza, patrono da cadeira 26 da Academia de Medicina da Bahia, nasceu em Cachoeira, Bahia, em 1873. Cursou a Faculdade deMedicina da Bahia, tendo colado grau de doutor em 1895. Foi professor de Anatomia Médico-Cirúrgica, de 1896 a 1902.
De 1902 a 1911, Professor substituto de Clínica Obstétrica e Ginecológica.
Em 1907, visitou a Europa em viagem de aperfeiçoamento, oportunidade em que frequentou os melhores serviços de Ginecologia do continente.
Em 1911, com o desdobramento da cadeira de ginecologia e obstetrícia, passou a catedrático de Clínica Ginecológica, assim permanecendo até 1925.
Mais de cinquenta trabalhos científicos de grande valor foram publicados pelo Prof. José Adeodato de Souza, a maioria deles na Gazeta Médica da Bahia e no Brasil Médico, bem como na revista Gynécologie et Obstétrique, e outros periódicos estrangeiros.
São de sua autoria os livros “Propedêutica Ginecológica”, talvez o melhor livro nacional sobre o tema e “Lições de Emenologia Clínica”.
Para todos os efeitos, o Prof. Adeodato é considerado o iniciador, na Bahia, da especialidade ginecológica, na qual se consagrou como um dos seus maiores mestres.
Além de grande médico, foi o Prof. Adeodato humanista, escritor, polemista e cidadão extremamente generoso.
É celebre a dedicatória feita a seu filho, José Adeodato de Souza Filho, então aspirante ao doutorado em medicina:
“Saber, e saber ensinar, são cousas diferentes”. O mérito de um professor, como tal, não está somente no que sabe, mas, também, muito especialmente, no que ensina e na maneira porque ensina o que sabe: aí está a principal dificuldade.
O professor José Adeodato de Souza faleceu em 1930.
O seu substituto na cadeira 26, foi o seu quinto filho, José Adeodato de Souza Filho, nascido a 25 de fevereiro de 1907, na Cidade do Salvador.
Graduou-se, em 1929, pela Faculdade de Medicina da Bahia.
Casou-se em primeiras núpcias, em 1/12/1936, com Dionéa Carneiro Adeodato de Souza, falecida em 27/01/1980, com quem teve dois filhos: José Adeodato de Souza Neto e Guaraci Adeodato Alves de Souza. Em segundas núpcias, casou-se com Celina Cerqueira Gomes.
Como seu próprio pai, Adeodato Filho engajou-se desde moço nos movimentos pela melhoria das condições de higiene e saúde pública, e montagem de uma rede de serviços médicos voltados para as classes populares, especialmente no campo materno-infantil, antes inexistente.
Nesse contexto, é que Adeodato Filho pôde criar, com outros, um Sistema de Parto em Domicílio articulado com a maternidade Pró-Matre da Bahia, da qual foi fundador, cujos princípios e desdobramentos práticos estão formulados na sua tese para a Cátedra de Obstetrícia, de 1950, intitulada “O Parto em Domicílio”. Tratava-se de uma proposta de assistência médica com visão sistêmica
inovadora.
Adeodato Filho também construiu uma carreira acadêmica dinâmica, consistente e brilhante, tendo se submetido a vários concursos públicos na Faculdade de Medicina da Bahia.
Concorreu para Docente Livre de Ginecologia, Docente Livre de Clínica Obstétrica, para provimento da Cátedra de Ginecologia (sendo o 2° colocado) e para a Cátedra de Clínica Obstétrica, onde trabalhou até sua aposentadoria em 1977.
Foi autor de quase uma centena de trabalhos científicos em Ginecologia e Obstetrícia e capítulos de livros.
Entre seus mais importantes trabalhos, encontra-se “Diagnóstico da Placenta Prévia” elaborado em coautoria com o Professor Rui Xavier de Souza, utilizando técnica radiológica inovadora.
Como Catedrático de Obstetrícia, dirigiu, de 1950 a 1977, a Maternidade Climério de Oliveira, vinculada a essa cátedra.
Valorizando muito o trabalho no campo da Enfermagem, ajudou a criar um curso de Especialização em Obstetrícia na Escola de Enfermagem da UFBA.
Foi Presidente da Sociedade de Medicina da Bahia e Presidente da Sociedade Médica dos Hospitais da Bahia.
Nos anos 60, associou-se ao Prof. Elsimar Coutinho e criou na Maternidade Climério de Oliveira o Centro de Pesquisas em Reprodução Humana, com o reconhecimento da
Organização Mundial de Saúde.
Conheci o Professor Adeodato, como aluno, durante o internato obrigatório de obstetrícia em 1964. Testemunhei o seu empenho pela disciplina e dedicação em tempo integral à Maternidade. Em 1966, ingressei no programa de residência médica da UFBA, e então me foi possível conhece-lo e admira-lo mais profundamente. Em 1968, fui por ele apresentado ao professor Elsimar Coutinho, já dirigindo o Centro de Pesquisas, ponto inicial da minha carreira como pesquisador e docente. Como seu assistente, apliquei muitos dos seus ensinamentos didáticos, morais e administrativos.
Faleceu nessa cidade, a 07 de agosto de 1984.
O terceiro ocupante da cadeira n º 26, da Academia de Medicina da Bahia, foi o Professor Elsimar Metzker Coutinho, hoje seu membro emérito. Nasceu em 18 de maio de 1930, em Pojuca, Bahia. Graduou-se Farmácia e Bioquímica em 1951, e em Medicina em 1956, respectivamente pela Faculdade de Farmácia e de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Depois, fruto de uma bolsa dos governos brasileiros e francês, foi estudar com o Professor Claude Fromageot, na Sorbonne, Universidade de Paris. Retornando da França, tornou-se professor Associado de Fisiologia na Escola de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, mas por pouco tempo. Logo depois foi convidado pela Fundação Rockfeller, realizando pesquisas na área da endocrinologia reprodutiva.
Retornando dos Estados Unidos, a convite do Professor José Adeodato de Souza Filho, tornou-se Diretor do Centro de Pesquisas Clínicas da Maternidade Climerio de Oliveira, primeiro centro de referência para estudos e pesquisas na área da Reprodução Humana da Organização Mundial da Saúde, no Brasil.
No início dos anos 60, estudando o emprego de substâncias progestínicas na prevenção do trabalho de parto prematuro, observou e descreveu o efeito anticoncepcional da medroxiprogesterona, publicando trabalhos científicos pioneiros, criando os primeiros anticoncepcionais injetáveis.
Outros métodos anticoncepcionais, fruto do seu pioneirismo, foram desenvolvidos ao longo de quarenta anos de pesquisas, incluem implantes subcutâneos com efeito prolongado, dispositivos intrauterinos, e a pílula vaginal. Foi também pioneiro no estudo da contração uterina e trompa. Tornou-se o primeiro cientista mundial a apontar a varicocele, com causa de infertilidade masculina.
Do mesmo modo, relatou ser a menstruação retrograda a principal causa de endometriose, defendendo a sua supressão medicamentosa, como forma de prevenção da doença, responsável por dor incapacitante e infertilidade.
É membro de várias sociedades médico-científicas no Brasil e no exterior, e fundador da Sociedade Brasileira de Andrologia.
Na Faculdade de Medicina criou a disciplina de Reprodução Humana, primeira no Brasil, tornando-se professor titular desde a sua criação, até a sua aposentadoria compulsória.
Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina da UFBA vem exercendo o cargo de Presidente do CEPARH – Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução. Publicou cerca de 400 trabalhos científicos, predominantemente em revistas médicas internacionais, e mais de dez livros, sendo a maioria no exterior. Seu livro sobre a menstruação, lançado em 1996, encontra-se na 8ª edição, sendo uma em língua inglesa. Prof. Elsimar Coutinho é hoje uma das maiores expressões na endocrinologia da reprodução e planejamento familiar.
Por mais de 20 anos, tive o privilégio de fazer parte de sua equipe de pesquisadores na Maternidade Climério de Oliveira. Ao professor Elsimar, devo muito da minha formação de médico e professor. Ele foi responsável pela minha iniciação em pesquisa, ao enviar-me para a Rockfeller Institute e Cornel University, nos Estados Unidos. Ele sempre soube acolher os jovens e ensinar-lhes o caminho da ciência.
Sinto-me honrado em substitui-lo como último ocupante da cadeira 26, desta academia, que teve como antecessor o não menos celebre Professor José Adeodato de Souza Filho.
Sou testemunho da importância que ambos têm para a medicina brasileira e mundial.
Finalizando, comprometo-me a dignificar a Academia, não poupando obediência aos seus princípios estatutários e doar-me inteiramente, em colaboração com os demais confrades, visando uma instituição viva e atuante, à altura das suas tradições e honra da medicina baiana.
Muito obrigado,