Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Manuel Augusto Pirajá da Silva
Cadeira: 43
Patrono: Manuel Augusto Pirajá da Silva
Patrono

Nasceu em Camamu, Bahia, em 28 de janeiro de 1873. Era o primogênito do casal  Maria Veridiana da Silva Pirajá e Eduardo Augusto da Silva. Em Camamu, Manuel Augusto viveu sua infância, aprendeu a ler e escrever, mas foi enviado a Salvador para completar seus estudos nas escolas dos Padres Urbano e Loreto e do Prof. Manuel Florêncio dos Passos, fundamentais na formação humanística daquele que escreveria capítulos importantes da história da Medicina no Brasil e no mundo. 

Manuel Augusto ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia em 1891, aos 18 anos, época em que decidiu resgatar o sobrenome materno, passando a chamar-se Manuel Augusto Pirajá da Silva. Tal cognome, de origem indígena, foi adotado por seu avô português, José Ribeiro da Silva, natural de Vila Nova de Famalicão. (PARENTE- SILVA; NOVAES, 2008) Ao chegar ao Brasil no momento da luta pela independência do país na Bahia, escolheu o nome da localidade onde se deu uma batalha decisiva para os brasileiros, deixando claro sua opção de vida, para si e para os seus descendentes. 

 Durante o curso de Medicina, Manoel Augusto aprendeu também alemão e violino. Ao final do curso de graduação, em 1896, elaborou a tese inaugural Contribuição para o estudo de uma moléstia que ultimamente aqui tem reinado com os caracteres da meningite cérebro-espinhal epidêmica. 

 Em 1898, Pirajá da Silva se casou com Elisa da Silva Rocha. Ele clinicou durante dois anos em Amargosa, interior da Bahia, e chegou a trabalhar na Amazônia por três meses, mas retornou desiludido, fixando-se então em Salvador. 

 Em 1902, foi nomeado Assistente da 1ª Cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Bahia. Era um momento de intensos debates sobre as doenças tropicais na França e na Inglaterra e o Prof. Pirajá da Silva, no laboratório do hospital de ensino da FAMEB, o Hospital Santa Izabel da Santa Casa de Misericórdia, deu suas contribuições para o esclarecimento de algumas dessas enfermidades. 

 A fim de aprofundar-se no estudo da Parasitologia e Microbiologia, partiu para Paris e matriculou-se no Instituto Pasteur, concluindo um de seus cursos em 1909. Em seguida, foi para a Alemanha estudar doenças tropicais no Tropeninstitut de Hamburgo. Ao retornar ao Brasil, passou a ocupar o cargo de Professor Catedrático de História Natural Médica (Botânica e Zoologia, depois Parasitologia), na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1911, e de História Natural, no Ginásio Baiano (1914), onde permaneceu até sua aposentadoria (1935). Em 1921, foi nomeado inspetor sanitário rural e organizou centros de assistência e combate às doenças venéreas, com grande repercussão social. (PARENTE-SILVA; NOVAES, 2008) 

 Em 1908, ao examinar as fezes de pacientes internados em seu serviço, Pirajá da Silva passou a observar, com certa frequência, elementos estranhos até então desconhecidos em nosso meio. Tratava-se de ovos de vermes, dotados de um espículo lateral, cuja proveniência intrigou a curiosidade do observador. Até então, a maioria dos estudiosos considerava apenas formas variantes de ovos de Schistosoma haematobium, verme produtor da hematúria do Egito. Alguns, porém, levantavam a hipótese de se constituir em “germes” de uma nova espécie, denominada em 1907, pelo Prof.Sambon, Schistosoma mansoni (S. mansoni). Manson, na terceira edição de sua obra Tropical diseases, mostrou a possibilidade de haver duas espécies de esquistossomos de ovos espiculados, que se diferenciavam pela implantação polar ou lateral do acúleo, eliminando-se os primeiros predominantemente pela urina e os últimos simplesmente pelas fezes. Prof. Sambon, quatro anos mais tarde, após analisar determinado material que teve em mãos, baseado mais em conjecturas do que em observação direta, propôs, perante a Sociedade de Zoologia de Londres, a criação da nova espécie, denominando-a Shistosoma mansoni em homenagem à clarividência do seu colega e amigo. (FALCÃO, 
2008) 

 Pirajá da Silva, ao observar os primeiros casos de esquistossomose na Bahia, tratou logo de comunicar-se com Manson, em Londres. Escreveu-lhe minuciosa carta, acompanhada de preparações microscópicas por ele feitas. Manson encaminhou-a para Robert T. Leiper, helmintologista e professor da mesma escola londrina, que vinha, então, fazendo pesquisas especiais sobre a matéria. Respondeu este último a Pirajá da Silva, felicitando-o pela importante descoberta da doença na América do Sul e solicitando-lhe a colheita de mais material para estudos anatômicos acerca da espécie americana. Ofereceu-se para levar as informações do observador brasileiro ao conhecimento da Sociedade de Medicina Tropical de Londres, da qual era presidente Patrick Manson. Datava de 24 de julho de 1908 essa primeira carta de Robert Leiper a Pirajá da Silva. Este, reunindo mais dados, ao autopsiar indivíduos que expeliam ovos de espículo lateral pelas fezes, encontrara na veia porta e em suas primeiras ramificações, os animais adultos responsáveis pela postura dos ovos. 
Examinando atentamente os parasitas hemáticos, percebeu sua nãosemelhança com o seu parente próximo. Publicou esse material na imprensa médica nacional, descrevendo tudo o que descobrira, inclusive as características anatômicas, e foi para a Europa. (FALCÃO, 2008; SANTOS, 2008) 

 Em Paris, teve contato com os mais eminentes estudiosos que investigavam a esquistossomose. Com apoio do Prof. Raphael Blanchard, catedrático de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Paris, Pirajá foi pesquisar no laboratório de Maurice Letulle, sob cuja orientação procedeu àanálise do material trazido da Bahia, do ponto de vista anátomo-patológico. No mês de março de 1909, Pirajá da Silva entregou a Blanchard sua monografia intitulada La schistosomose à Bahia. Nela estão todas as suas observações feitas no ano anterior, juntamente com desenhos elucidativos, com preparações microscópicas das características anatômicas dos vermes adultos, machos e fêmeas, e de uma nota anátomo-patológica feita por Letulle. Blanchard publicou o trabalho em seus Archives de Parasitologie. 

 A descrição completa do S. mansoni, feita no Brasil, estava lançada pela primeira vez e seria difundida por todo o mundo científico. A descoberta e identificação do S. mansoni é hoje fato incontestável e a consagração definitiva do feito se deu na comemoração do cinquentenário dessa descoberta, em 1º de dezembro de 1958, pelo Instituto Brasileiro de História da Medicina, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e do Departamento de Higiene e Medicina Tropical da Associação Paulista de Medicina. 
Houve sessão solene, distribuição de medalhas comemorativas e emissão de selo.  Este episódio ilustra uma frase atribuída ao grande cientista húngaro, de cidadania americana, Szent Gyorgyio: “Descoberta consiste em ver o que todos viram e em pensar o que ninguém pensou”. Foi exatamente isso o que fez Pirajá da Silva. 

Há, do ponto de vista de Saúde Pública, uma importância muito grande pela descoberta no país de uma endemia grave, como é a esquistossomose. Na época, talvez não houvesse meios de avaliar suas proporções. Mas, pouco depois, os exames anátomo-patológicos começaram a definir a magnitude do problema. Já na década de 1920, as observações de Heraldo Maciel, realizadas em marinheiros, revelaram a rapidez com que a endemia havia se alastrado. Porém, a quantificação do problema somente ocorreu em 1950, com o inquérito coprológico nacional em escolares, realizado na Divisão de Organização Sanitária, por Barca e Pellon. Calculou-se que na época, já havia cerca de 2 milhões e meio de exames de fezes positivos para ovos de Schistosoma mansoni no Brasil. Para 1960, a estimativa era de, pelo menos, 6 milhões de esquistossomóticos no país. 

Em 1905 na Alemanha, Schaudinn e Hoffmann conseguiram evidenciar a causa de um dos mais temíveis flagelos da humanidade, a sífilis. Pirajá da Silva procurou confirmar esse achado. Utilizando a prateação do Treponema pallidum, ele conseguiu obter ótimas preparações do agente etiológico da sífilis, sendo um dos primeiros a confirmar no Brasil a veracidade da descoberta de Schaudinn e Hoffmann. 

Em 4 de outubro de 1911, foi para a França e começou o curso sobre doenças dos países quentes, promovido pelo Instituto de Medicina Colonial da Universidade de Paris. Consagrou-se o primeiro da turma nas provas finais, com o título de Major. Fez importantes pesquisas sobre a leishmaniose tegumentar, a doença de Chagas e as miíases. Diante da estranha moléstia que se iniciava na pele e terminava acometendo as mucosas buconasofaríngeas, ulcerando-as e corroendo os tecidos subjacentes, inclusive as cartilagens, com o nome de Botão de Brotas, Pirajá da Silva, na cidade de Salvador (BA), esclareceu precisamente a etiologia à luz do microscópio, demonstrando a presença da Leishmania tropica em tais lesões. Em 1912, ele aperfeiçoou o método de cura e, quanto à transmissão da doença, fez observações valiosas em relação à propagação por intermédio dos flebótomos. É muita coincidência de datas ou é surpreendente a atualidade do conhecimento de Pirajá sobre o tratamento da leishmaniose."Os antimoniais trivalentes foram introduzidos no tratamento das leishmanioses cutâneas e mucocutâneas por [Gaspar] Viana no Brasil, em 1912, e da leishmaniose visceral por Di Cristina Y Caronia na Itália, em 1915". (ORGANIZAÇÃO MUNIDAL DE SAÚDE, 2012, p.2) 


Em 1910, encontrou o vetor da tripanossomose americana, o barbeiro, em localidades próximas à capital baiana. Levou o material coletado para Paris e no laboratório de Blanchard, em colaboração com E. Brumpt, infectou camundongos, deparando-se no sangue examinado com o Schizotrypanum cruzi. 

Na platina do microscópio, estudou caso típico de amebose intestinal, confirmado depois pessoalmente por Oswaldo Cruz. 

As miíases cutâneas e cavitárias também foram estudadas por Pirajá da Silva. Em 1911, criando larvas retiradas das lesões, identificou Chrysomyia macellaria. Em 1912, outra notável contribuição do cientista baiano: a descrição da Cercaria blanchardi, forma intermediária do S. mansoni. Somente em 1916 veio a redigir o estudo de conjunto intitulado A schistosomose na Bahia, integrante do número jubilar da Gazeta Médica da Bahia. Com o correr dos anos, interessou-se pelos cogumelos patogênicos, outro assunto muito pouco conhecido então em nosso meio. 

Pelos diversos trabalhos desenvolvidos, Pirajá da Silva recebeu a medalha Bernhard Nocht do Tropeninstitut de Hamburgo (1954) e, em 1956, foi condecorado pelo então Presidente da República, o médico Juscelino Kubitschek, com a Gran Cruz da Ordem do Mérito Médico. Recebeu também o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de São Paulo, em 1957, e da Escola de Medicina e Saúde Pública da Bahia, em 1958. Em 1958, o Ministério da Saúde criou a Medalha Pirajá da Silva para laurear os pesquisadores com trabalhos de investigação e de intervenção dobre a esquistossomose. (SANTOS, 2008) 

Manuel Augusto Pirajá da Silva se encantou em 1º de março de 1961.eis o testemunho de um dos seus ex-alunos e admirador, Ruy Santos (1978, p. 36), acadêmico de 1923 a 1928: 

Pirajá da Silva morreu, não faz pouco, em São Paulo [...]. foi um sábio 
porém. Tão grande quanto Oswaldo Cruz ou Carlos Chagas. A Chagas 
e Cruz não faltaram recursos para o trabalho que se dedicaram; a Pirajá 
nada. Não tinha de certo aquele brilho e aquela capacidade de fazer 
discípulos dos outros dois grandes mestres brasileiros. Sob certo 
aspecto, entretanto, foi maior que eles. 

Os estudantes da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em homenagem ao mestre, denominaram sua entidade estudantil de Diretório Acadêmico Pirajá da Silva. Em 2008, ano do Centenário da Descoberta do S. mansoni, foi criada uma Comissão para laurear os pesquisadores e instituições que se destacassem na área da saúde. 

 Outra mais recente homenagem foi prestada pela Academia de Medicina da Bahia que nomeou como Patrono da Cadeira nº 43 o Prof. Manuel Augusto Pirajá da Silva, tendo como Titular o Prof. Sebastião Antônio Loureiro de Souza e Silva. 

Livro: Vida e Obra de Pirajá da Silva - Itazil Benicio dos Santos | Estante Virtual
REFERÊNCIAS 

FALCÃO, Edgard de Cerqueira. Pirajá da Silva: o incontestável descobridor do “Schistosoma mansoni”. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Control de la leishmaniasis. Serie de Informes Tecnicos, n. 949, Geneva, 2012. 

PARENTE SILVA, Lara; NOVAES, Maryana Dias. “Pirajá da Silva”. In: MATUTINO, Adriana Reis Brandão; CORREIA, Fernanda Ramos; JACOBINA, Ronaldo Ribeiro (Org.). Faculdade de Medicina da Bahia: 200 Anos de Pioneirismo. Salvador: Edufba, 
2015. p. 15-20. 

SANTOS, Itazil Benício dos. Vida e obra de Pirajá da Silva. 2ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 

SANTOS, Ruy. A Faculdade do meu tempo. Memória-2º volume. Brasília: Senado Federal, 1978. 248p. 

 

RONALDO RIBEIRO JACOBINA 
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia. 
 Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA

 

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