Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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João Américo Garcez Fróes
Cadeira: 39
Patrono: Raimundo Nina Rodrigues
Antecessor:
Ocupante Anterior

Nasceu João Américo Garcez Fróes no dia 11 de outubro de 1874, no Engenho Santa Cruz, na então Vila de São Francisco, município de Santo Amaro - BA. Era filho de Maria Luísa Garcez Fróes e Américo Ribeiro de Souza Fróes.

Fez o primário no próprio engenho paterno e os preparativos no Colégio Sete de Setembro, em Salvador, sob a direção do Prof. Luís da França Pinto de Carvalho, tendo sido premiado com a medalha de ouro. (SOUZA, 1973)

Em 1894, diplomou-se no curso de Farmácia na Faculdade de Medicina da Bahia (SOUZA, 1973) (FMB, sigla; Fameb, acrônimo). No ano seguinte (1895), formou-se em Medicina (79ª turma da FMB), tendo defendido a sua tese inaugural “A funcção intellectual nos climas tropicaes”. (FROES, 1895) (Fig. 2). Esta tese de sua formatura está tanto na Biblioteca Pública do Estado, nos Barris, como na Bibliotheca Gonçalo Moniz da FMB-UFBA, no largo do Terreiro de Jesus. (MEIRELLES et al, 2004)

Foi Lente Substituto de Medicina Legal na Faculdade de Direito, a partir de 1886. Começou a carreira docente na Fameb como Assistente da cadeira de Propedêutica, do Prof. Alfredo Tomé de Britto. Fez concurso em 1899 para Lente Substituto da 5ª Secção com tese de concurso “Embriaguez e responsabilidade”. (FROES, 1899) (Fig. 3). Sucedeu ao mestre Alfredo Britto na Cátedra de Clínica Propedêutica, a partir de 1909, ficando nela até 1911.

Em 1911 foi nomeado Professor Catedrático para a 3ª Cadeira de Clínica Médica. (DR. JOÃO AMÉRICO..., [198-?], p. 53) Em 1931 assumiu a cátedra de Medicina Tropical, ficando até se aposentar em 1938. (TAVARES NETO, 2008; OLIVEIRA, 1992, p. 434-437) Na verdade, foi ele quem criou a disciplina Doenças infecciosas e parasitárias na Faculdade, incluindo-a no currículo médico (TEIXEIRA, 1999, p. 213), defendendo desse modo a autonomia da “Medicina Tropical”, campo que a medicina baiana foi protagonista no país e no mundo com a Escola Tropicalista Bahiana.

Escreveu o estudo “Sopro córmico musical e insuficiência aórtica”, no qual faz a demonstração da gênese do “sopro circular” do Dr. Miguel Couto. Este médico, o mais erudito clínico geral e sanitarista do Brasil no início do século XX, ao receber o livro Lições de clínica médica disse, numa carta datada de 14 de outubro de 1914, que Froes guardava dentro de um exemplar deste livro:

Não lhe dou por ele parabéns; congratulo-me, porque a excellencia da obra chega para encher do mais legítimo orgulho não só o seu autor, como todos os que neste canto do mundo cultivam a medicina. (apud CALMON, 1978, p. 210; grifo nosso)

No momento em que se discute a humanização do cuidado nos serviços de saúde, o velho Fróes exigia a delicadeza dos estudantes para com os doentes examinados na enfermaria de sua cadeira. Desde o começo, na Obstetrícia, se um acadêmico fazia sofrer uma paciente no exagero de uma compressão numa ferida ou lesão, ele dizia: Non vi, sed arte! [Não pela força, mas pela arte, pela habilidade!]. Era em latim, para esconder do leigo a reprimenda. (CALMON, 1978, p. 210)

Garcez Fróes foi casado duas vezes. O primeiro casamento foi com a Dra. Francisca Praguer Fróes, a primeira professora da FMB (JACOBINA, 2013). Tiveram dois filhos: Heitor, médico e professor; e Hélio, formado em Química. Três anos depois do encantamento de Francisca, vivido o luto, casou-se com Maria José de Aragão Bulcão (Ziza), com quem teve João Américo Bulcão Fróes. (CALMON, 1978, p. 217)

Durante o magistério fez várias viagens de estudos em países europeus, em especial França, Inglaterra e Alemanha. Deixou mais de duas centenas de publicações, destacando-se: Manual de semiologia da urina, Notas de clínica médica, Embriaguês e responsabilidade, A vida sexual mórbida perante o Código Penal Brasileiro, Mortalidade do corpo humano. Foi escolhido memorialista, tendo escrito a Memória Histórica da FAMEB de 1915.

Embora os pioneiros da transfusão sanguínea no país tenham sido Brandão Filho e Armando Aguinaga, no Rio de Janeiro, o melhor relato da época e a primeira transfusão de sangue, usando o aparelho de Agote, foi feita pelo Prof. Garcez Fróes. Catedrático de Clínica Médica, Prof. João Américo transfundiu 129 ml de sangue do doador João Cassiano Saraiva, servente do hospital-escola, em uma paciente operada de pólipo uterino com metrorragia. (JUNQUEIRA; ROSENBLIT; HAMERSCHLAK, 2005, p. 202)

Produziu obras também no campo literário, biográficas e de ensaios, como O Barão de Vila Viçosa, O beijo na literatura, na arte e na ciência. Foi membro titular da Academia de Letra da Bahia, tendo como patrono o Prof. Antônio Januário de Faria. (TAVARES-NETO et al., 2008)

Após a aposentadoria, foi aprovado como Professor Emérito da FAMEB, o primeiro a obter essa honrosa distinção. Em 1952, a Faculdade de Direito, já integrando a Universidade da Bahia, deu-lhe também o Título de Professor Emérito (SOUZA, 1973). Outro destaque foi na Academia de Medicina da Bahia, pois, além de ter sido o confrade Titular da Cadeira n. 39, foi seu primeiro Presidente, na gestão de 1958 a 1960 (JACOBINA, 2020).

Um poeta e jornalista baiano, Sílvio Valente, foi seu contemporâneo, embora muito mais jovem. O descreveu em versos:

Hipócrates, ò Pai da Medicina,
Empresta-me teu gênio por favor;
[...]
Sabias, numa frase pequenina
Sintetizar mil cousas com primor;
Preciso agora de tua arte fina
Para silhuetar um professor.

É Garcês Fróes. Encaneceu no ensino;
Culto, elegante, harmonioso, claro,
Sóbrio e conciso como um bom latino!

Por defini-lo é um esforço em vão,
Pois seu nobre perfil é muito raro:
É o velho Fróes uma instituição.”
 

Jorge Calmon, comentava que o poeta Sílvio Valente era dotado de grande mordacidade, sobretudo para com os nomes ilustres de Salvador, mas, como vimos, em relação ao Prof. Garcez Fróes, ele só encontrou grandeza: o velho Fróes é “uma instituição”. (CALMON, 1978, p. 207)

Antônio Loureiro, que narra o episódio, arrematou em seu livro Baianos ilustres: “Uma instituição de sabedoria científica e humanística, dessas tão escassas nos tempos que correm e a que aliava uma integridade moral admirável”. (SOUZA, 1973, p. 235)

Para este memorialista, um momento inesquecível foi quando leu sobre este homem cordial, educado. Ele manifestou com destemor sua consciência crítica contra o autoritarismo. Simpatizante discreto da Revolução constitucionalista de 1932, não pela volta da “política do café com leite”, mas pelo estabelecimento de um governo democrático. Essa discrição foi substituída por uma indignação quando em 22 de agosto daquele ano deu-se “o assalto militar à Faculdade de Medicina da Bahia, com prisão de professores e o encarceramento de centenas de jovens estudantes, bem como o “inquérito aparatoso e humilhante” que feriu sua sensibilidade.

Pouco mais de dois meses, na lição de abertura do curso de Clínica Tropical, manifestou o seu protesto: “Ignomínia, a mais ignominiosa das ignomínias!” E explicou: “Foi como explodir a minha indignação, justa revolta de um velho professor, encanecido no serviço do magistério, que tem sacrificado afetos e benquerenças em defesa de nosso Templo Médico e não pertenci a geridos que o pavor consome” [...]. E completa:

Foi como explodiu, repito, a minha indignação, ao ter certeza, quase à meia-noite de ontem [22 de agosto], do desfecho tristíssimo dos fatos ocorridos na Faculdade de Medicina. Encarcerados os alunos! Encarcerados os professores! Cedent arma togne! [Que cedam as armas às togas]. (apud CALMON, 1978, p. 212-213)

Conclui assim seu famoso discurso publicado na revista Brasil Médico, em 1933 e depois foi impresso em separata e largamente distribuído:

São as armas que tem que ceder às togas e às becas! Por isso que, acima da horda irresponsável dos exércitos paira – alto e bem alto – a força irresistível e fecunda do direito e do civismo, sufocada agora para altear-se ainda mais pujante e florescente no amanhã da Pátria! (p. 213; grifo nosso)

Em linguagem hodierna, poderia ser dito que o professor tinha um excelente currículo Lattes (vida acadêmica, produção científica), mas também um soberbo currículo Barthes (ter 20% de esforço, 30% de talento e 50 % de caráter, disse Barthes sobre o bom profissional). Encantado na nossa memória, o confrade que foi o 1º Titular da Cadeira n. 39 da Academia de Medicina da Bahia (AMBa), cujo Patrono é o Prof. Raymundo Nina Rodrigues, teve o médico e antropólogo Thales de Azevêdo como segundo titular, depois Carlos Alfredo Marcílio de Souza, o terceiro e, no momento atual, o confrade Prof. William de Azevedo Dunningham, destacado psiquiatra.

Mais uma homenagem é de estar como o primeiro Presidente da AMBA, na gestão de 1958 a 1960, abrindo aqui a “Galeria dos Presidentes Encantados”.

Para concluir, mais uma vez com a poesia, é descrito o mestre querido, agora num soneto de Adalício Coelho Nogueira (1902-1990), aluno de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, atual UFBA:

Medicina Legal é o que ele ensina...
Vê-lo explicando o ponto vale a pena,
Porque há em sua voz, branda e serena,
Qualquer cousa que encanta e que fascina!

Poetisa a lição e a torna amena
Com a sua prosa encantadora e fina.
De vez em quando citação latina...
E muita cousa alegre vem à cena.

Cruza as pernas e inquieto se abotoa...
Depois a sua voz rápida ecoa
Cantando-nos perfeita nos ouvidos!

Sorri, gargalha, é amigo do estudante,
E todos nós o achamos cativante
Com seus bigodes curvos, decaídos”.

(Como o título do poema não foi explicitado, de modo provisório o denomino “Soneto para o Mestre Jovial”). In:CALMON, 1978, p. 220-221)
 

Referências

CALMON, Jorge. João Américo Gracez Fróes. Sinópse Informativa, Salvador, v. 2, n. 2. p. 207-222, out. 1978. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina.
DR. JOÃO AMÉRICO Garcez Froés. Salvador [198-?], p. 53. Arquivo Geral da Faculdade de Medicina da Bahia - Universidade Federal da Bahia.
FROES, João Américo Garcez. A funcção intellectual nos climas tropicaes. Salvador, Bahia: Imprensa Popular, 1895 [Tese inaugural. Faculdade de Medicina da Bahia]
FROES, João Américo Garcez. Embriaguez e responsabilidade. Salvador, Bahia: Imprensa Popular, 1895 77p. [Tese de concurso. Faculdade de Medicina da Bahia]
JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. “Academia de Medicina da Bahia: 62 anos de jovialidade e cordialidade. (10/07/1958-2020). História de Convivência com Convergências e Divergências nas Ciências Biomédicas e Médicos Sociais”. Salvador, 2020 [no prelo, a ser apresentado no V Medinfor, 13 setembro de 2020]
JACOBINA, Ronaldo R. Memória Histórica do bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (2008) – Vol. III – Professores, Funcionários e Alunos da FAMEB. Salvador: Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB) - UFBA, 2013. 534p. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/14218?mode=full&submit_simple=Mostrar+registro+completo+do+item
JUNQUEIRA, Pedro C; ROSENBLIT, Jacob; HAMERSCHLAK, Nelson. História da hemoterapia no Brasil. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 27, n. 3, p. 201-207, 2005.
MEIRELLES, Nevolanda Sampaio; SANTOS, Francisca da Cunha; OLIVEIRA, Vilma Lima Nonato de; LEMOS-JÚNIOR, Laudenor P.; TAVARES-NETO, José. Teses doutorais de titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, v. 74, n. 1, p. 9-101, jan.-jun. 2004.
OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória histórica da Faculdade de Medicina da Bahia, concernente ao ano de 1942. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1992.441p.
SOUZA, Antônio Loureiro de. Edgard Santos. In: SOUZA, Antônio Loureiro de. Baianos ilustres (1564-1925). 2.ed. Bahia: Secretaria da Educação e Cultura-Governo do Estado da Bahia, 1973. p. 299-300.
TAVARES-NETO, José et al. Formandos de 1812 a 2008 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Feira de Santana-BA: Academia de Medicina de Feira de Santana, 2008. 331p.
TEIXEIRA, Rodolfo. Memória Histórica da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus (1943-1995). Salvador: Edufba, 1999.

Agradecimentos

Ao Confrade William Dunningham,
Titular da Cadeira n. 39, pelas sugestões e correções.

A Bibliotecária Ana Lúcia Albano,
por pesquisar e enviar imagens das obras de
João Américo Garcez Froes, 1º Presidente da AMBA
Salvador – BA, 12 de dezembro de 2023

Ronaldo Ribeiro Jacobina.
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia.
Titular da Cadeira nº 7 do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA (Aposentado).

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