Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Climério de Oliveira
Cadeira: 17
Patrono: Climério de Oliveira
Patrono

Climério Cardoso de Oliveira nasceu na cidade de Salvador, em 10 de fevereiro de 1855, filho de D. Maria Virgínia Matos Cardoso e Rodolfo Cardoso de Oliveira.
Em 1872, após concluir seus estudos no Liceu Provincial, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia. Foi, por concurso, Interno da Cadeira de Clínica Cirúrgica. Formado pela FMB em 1877, aos 22 anos de idade. Ainda estudante, já revelava seu talento artístico, tendo publicado diversas poesias na revista Instituto Acadêmico. Era um dos redatores do periódico mensal O Incentivo, cuja publicação durou cerca de um ano. Eclampsia foi sua tese inaugural ou doutoral.
Em 1883, ocupou o lugar de Adjunto da cadeira de Histologia. Por concurso, em 1885, tornou-se Lente da Cadeira da Clínica Obstétrica e Ginecológica. Sua tese de concurso foi Estudo genérico sobre a bossa sero-sanguínea e a deformação manifestada pelo feto. O concurso para o cargo ficou marcado pelo excelente desempenho dos candidatos. Dr. Climério ficou em segundo lugar, sendo nomeado pelo Imperador, que o escolheu entre os três primeiros colocados. Há relatos que a comunidade acadêmica não aprovou a escolha, havendo protestos de estudantes que ecoaram na mídia nacional da época. (RAPOSO et al., 2014) Com sua inteligência e eloquência, a rejeição inicial virou admiração. Ele ocupou este lugar de liderança docente até 1911. 

Em 1897, escreveu a Memória Histórica da FMB. Neste mesmo ano, destacou-se como médico, ao assumir a direção de uma das enfermarias repletas de soldados feridos na Guerra de Canudos.

Para tornar mais acessível a complexidade do conhecimento técnico de sua área, usava os seus dons artísticos, pois compunha versos com finalidade mnemônica, vários deles citados na memória histórica de Eduardo Oliveira (1992), entre os quais, destaca-se sua célebre descrição dos seis tempos do parto:


Diminui, se encurva e desce 
Roda, distende, aparece
Avança, se estende e cai 
Gira, resvala e sai.

Para além da Medicina, seu talento artístico não ficou restrito à poesia. Escreveu peças de teatro, como O bicho, uma comédia composta de três atos, e A maternidade, um drama com quatro atos, tendo com revisor o amanuense da FMB Anselmo Pires de Albuquerque. 

Aos 33 anos contraiu matrimônio com D. Teodolinda Sá de Oliveira, com quem teve os filhos: Climerinda, Noêmia, Orlando e os médicos Edgard e Almir. Este último seguiria os passos do pai, sendo também Professor Catedrático de Clínica Obstétrica na Faculdade de Medicina da Bahia. (JACOBINA, 2013)

Seu encantamento se deu na manhã de 8 de abril de 1920, falecendo aos 65 anos de idade. A sociedade baiana recebeu com comoção a triste notícia. O deputado Cosme de Farias, naquele mesmo dia, fez constar em ata na sessão da Câmara voto de pesar pela perda do médico e professor. No dia seguinte, a Faculdade prestou moção de pesar em Congregação. A Maternidade que ele lutou para que fosse construída e servisse ao ensino médico teve oito dias de luto. Um luto eivado de saudade, porém com profunda gratidão àquele que protagonizou a luta em prol de sua fundação. (RAPOSO et al., 2014)

Ainda no final do século XIX, em todas as classes sociais, a Medicina popular amparava os doentes, valendo-se de conhecimentos que atravessavam gerações. Muitas vezes às rezadeiras era atribuída a missão de curar feridas e aliviar o sofrimento daqueles que padeciam. A obstetrícia, retardatária no ganho da confiança popular, esbarrava em uma delicada questão: o pudor. Para as mulheres e seus esposos, ter a intimidade feminina exposta a outro homem durante o parto era algo inconcebível. A assistência às gestantes era atribuição das parteiras, que costumavam orientá-las, tratar de doenças sexualmente transmissíveis e, principalmente, fazer os partos. Eram mulheres de absoluta confiança, o que tornaria lento o processo de intervenção médica na parturição.

Além do preconceito, havia um obstáculo que dificultava o manejo dos partos pelos médicos: a falta de uma enfermaria destinada a tal fim. O ensino da Arte Obstétrica limitava-se, então, à teoria. Os estudantes tinham apenas princípios básicos e treinamento em uma boneca de camurça que mais lhes despertava risos do que conhecimento. Apenas em 1875 foi instalada uma enfermaria no Hospital de São Cristóvão (Hospital de Caridade) da Santa Casa. Apesar do expressivo ganho social e acadêmico, as instalações funcionavam em condições lastimáveis. Ao assumir a cadeira de Clínica Obstétrica e Ginecológica em 1885, Dr. Climério de Oliveira presenciou o drama vivido pelas mulheres ali internadas. Em um pronunciamento, demonstrou toda sua indignação frente às desumanas condições do estabelecimento:
O curso de Clínica Obstétrica e Ginecológica teve a regularidade possível, atenta às péssimas e precárias condições em que se acha instalado no Hospital de Caridade [...] quem conhece o hospital em que funcionavam as clínicas desta Faculdade, a situação de suas enfermarias [...]; quem ali respira fétidos odores e doentios ares e conhece, pelo que leu ou pelo que viu, qual o conjunto de circunstâncias que devem tornar saudável um estabelecimento dessa ordem; não pode deixar, sob o ponto de vista das grandes intervenções cirúrgicas, de considerá-la um foco de letalidade ao invés de um meio de restabelecimento da saúde. (OLIVEIRA, 1992, p. 58, grifo nosso)

Com a mudança para o Hospital Santa Izabel no bairro de Nazaré, obteve uma enfermaria em melhores condições, tendo havido alguma melhora na assistência às gestantes. Esse pequeno ganho não arrefeceu seu ânimo de construir uma maternidade para a assistência e o ensino. Desde 1854 já se discutia a possibilidade de construção da maternidade, mas apenas em 1894 uma ação concreta foi tomada. Por iniciativa do professor Pacífico Pereira, que, com a ajuda do irmão, Manuel Victorino, também professor da FMB e Senador Federal, foi liberada pelo governo federal a primeira verba. Nove anos mais tarde, o professor Alfredo de Britto, diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, firmou contrato com o Hospital Santa Izabel, que lhe cedera um terreno em suas imediações para a construção da Maternidade. Finalmente, as obras foram iniciadas em outubro de 1903. Apesar dos largos passos dados e verbas adquiridas, ainda não se dispunha de recursos financeiros para a empreitada. Parecia inevitável a interrupção das obras. Nesse momento, a atuação de Dr. Climério de Oliveira fez-se imprescindível.

Sua mente inventiva somou-se à popularidade e simpatia junto à sociedade baiana para mobilizá-la. A ideia sensibilizou até as camadas mais abastadas, que adotaram a causa como um benefício social. Em 1903, fundou o Comitê de Senhoras, juntamente com D. Maria Cerqueira Conde e D. Margarida Pedreira, que reunia mulheres da sociedade para montar estratégias de arrecadação de fundos. Entre elas, a mais consagrada foi a exibição de uma série de peças teatrais, cujo tema não poderia ser mais adequado: A maternidade. Como já referido, o drama exibido no Teatro Politeama em diversos espetáculos era de autoria do próprio Dr. Climério de Oliveira. O governo estadual e o municipal também cederam verbas. Houve, ainda, as inestimáveis contribuições espontâneas de muitos particulares. Os estudantes da Faculdade também se uniram ao carismático mestre nesta nobre luta. Organizaram dois bandos precatórios, arrecadando uma vultosa quantia em dinheiro. O que parecia impossível tornou-se realidade. Tratava-se de um estabelecimento de primeira linha para os padrões da época, munido de aparelhagem moderna, escolhida pessoalmente por Dr. Climério. Após muitos esforços e grande mobilização, em 30 de outubro de 1910 foi inaugurada em Salvador a primeira maternidade-escola do país. Indubitavelmente, uma obra construída por uma união de forças, um orgulho para seus idealizadores e para a sociedade baiana. Porém, acima de tudo, um inestimável bem humanitário à assistência e ao ensino.

A Maternidade Climério de Oliveira é mais um exemplo eloquente para a tese de Guimarães Rosa de que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Professor Climério de Oliveira está tão vivo, que o Prof. Antônio Carlos Vieira Lopes se fez representar no papel do mestre em recepção aos calouros de medicina da FAMEB-UFBA, testemunhada por este memorialista. Climério de Oliveira é o Patrono na Cadeira nº 17 da Academia de Medicina da Bahia.

REFERÊNCIAS 

OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória histórica da Faculdade de Medicina da Bahia relativa ao ano de 1942. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, p. 273-276, 1992.
RAPOSO, Juliana; Aragão, Lídia; Lima, Cândida; Hemb, Cristiano; Moura, Manuela; Viana, Mirella; Fagundes, Monnaliza; Nunes, Naraiana; Rocha, Nirvana; Lyrio, Priscila; Lemos, Rodrigo; Costa, Talita; Cunha, Talita. Climério de Oliveira e a fundação da primeira Maternidade-escola do Brasil. In: JACOBINA et al. Faculdade de Medicina da Bahia: Mais de 200 anos de Pioneirismo. Salvador: Edufba, 2015. p. 117-124.
JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. Memória Histórica do bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (2008) – Volume III – Professores, Funcionários e Alunos da FAMEB.  Salvador: FAMEB-UFBA, 2013. 

Leituras recomendadas:
ADEODATO FILHO, José. O ensino da clínica obstétrica na Universidade da Bahia. Salvador: Departamento Cultural da Reitoria da UFBA, 1967.
AMARAL, Marivaldo Cruz do. Da comadre para o doutor: Maternidade Climério de Oliveira e a nova medicina da mulher (1910-1927). 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador.
BRENES, Anayansi Correa. História da parturição no Brasil: século XIX. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 7, p. 135-149, 1991.
 


RONALDO RIBEIRO JACOBINA.
Professor do Dept.º de Medicina Prevetiva e Social-Fameb- Ufba

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