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Aristides Pereira Maltez
Cadeira: 12
Patrono: Aristides Pereira Maltez

Aristides Pereira Maltez nasceu em 31 de agosto de 1882, na cidade de Cachoeira, Bahia, sendo o oitavo dos dez filhos de Amélia da Glória Guimarães Maltez e Francelino Pereira Maltez. Quatro dos nove irmãos também se formaram em Medicina (Thomaz, Honorato, Pedro e Antônio). (MALTEZ, 1995)

O ensino fundamental (primário), ele iniciou em 1890, em Cachoeira e concluiu em outra cidade do Recôncavo baiano, Nazaré das Farinhas. Já em Salvador, concluiu o bacharelado em Ciências e Letras em 1902, no Ginásio da Bahia. Ingressou em 1903 na Faculdade de Medicina da Bahia (FMB ou Fameb) e, nesse mesmo ano, foi convidado pelo governo estadual a lecionar grego, latim e português no Ginásio da Bahia. Este vínculo ele manteve até 1937. (MATUTINO e cols., 2015)

Graduou-se em 19 de dezembro de 1908 e, logo depois de formado, fez uma especialização em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Presbiteriano de Nova Iorque. De volta à Bahia, iniciou sua carreira na Fameb como Preparador Interino da cadeira de Fisiologia em 1910. Poucos anos depois, em 1914, conquistou a Livre-docência, e, por concurso foi Professor Substituto da 14ª Seção. Por fim, foi Professor Catedrático de Ginecologia, de 1925 a 1943.

Representou a sua faculdade em diversos encontros científicos, nacionais e internacionais. (LIGA BAIANA..., 2008 a; OLIVEIRA, 1992)

Solidariedade e Destemor

No dia 22 de agosto de 1932, o Interventor Juracy Magalhães reprimiu os estudantes no Ginásio da Bahia e determinou a invasão da Faculdade de Medicina, com a prisão de professores e alunos, pelo apoio à Revolução Constitucionalista, que eclodiu naquele ano. Ao todo, 514 estudantes foram detidos e conduzidos por ônibus até a Penitenciária do Estado. Além disso, professores foram presos fora da faculdade e encarcerados na prisão.

Em 15 de agosto, houve um movimento grevista dos alunos do Ginásio da Bahia, aparentemente sem relação direta com aquele ato político na Fameb. Era uma luta contra a realização de provas parciais, em que os alunos discordavam de sua realização. No dia 18 de agosto, uma comissão dos grevistas chegou a ter uma audiência com o interventor federal na Bahia, Tenente Juracy Magalhães, que se comprometeu em negociar, no nível federal, a suspensão das provas parciais, mas manifestou preocupação com o uso político da greve. O impasse continuou e houve denúncias de agressão policial aos estudantes do Ginásio da Bahia. (BRITTO, 2007; JACOBINA, 2013)

O Prof. Aristides Maltez (1882-1943), que estava como examinador das provas parciais, testemunhou as agressões dos policiais aos alunos, tendo já um agente policial lesado a cabeça de uma aluna à “casse-têtê”, tendo ele intermediado para evitar maiores incidentes e conversou com os estudantes em greve: “fiz ver que na natureza as cousas que mais nos encantam se fazem em silêncio, embora se traduzam depois de maneira altissonante. Pedi-lhes então que em silencio se retirassem”[...] “Não houve o menor incidente” (FMB. Acta da Congregação, 09/12/1932, fl. 4-5;7)

No testemunho do colega Estácio de Lima “Maltez foi um virtuoso da arte médica. A elegância com que empunhava o bisturi valia tanto quanto o corte. Não era somente o mestre ímpar da Ginecologia, empenhava, galhardo, os mais difíceis problemas de cirurgia.

Fundação da Liga do Câncer e do Hospital Aristides Maltez

Era uma pessoa de vasta cultura e conquistou grande prestígio social como professor, cirurgião, ginecologista e obstetra. Seu consultório de Partos e Moléstias das Senhoras era frequentado por damas da alta sociedade. Trabalhava ainda na Enfermaria do Hospital Santa Izabel, pertencente à Santa Casa de Misericórdia da Bahia e o “hospital escola” da Faculdade. O professor presenciava, diariamente, o sofrimento das mulheres pobres com câncer. Como as vagas eram limitadas, um número expressivo delas morria sem qualquer tratamento, em geral pelo câncer de colo de útero. Indignado com essa situação, ele resolveu mobilizar a sociedade baiana para enfrentar o problema. (SAMPAIO, 2006)

Assim, liderou a luta contra o câncer em várias frentes, sendo a educação da população uma delas. Consciente de que a ignorância e o medo eram fortes aliados da doença, foi diversas vezes aos jornais e ao rádio declarar que o câncer era curável, sempre ressaltando a importância do diagnóstico precoce. (MATUTINO e cols., 2015)

Após o atendimento numa manhã de sábado, Aristides Maltez não teve mais dúvidas: suas pacientes estavam com o colo do útero corroído pelo câncer e muitas iriam surgir com o mesmo problema nos próximos anos. O sofrimento estampado nas faces daquelas mulheres fez com que a ideia, que o vinha perseguindo desde que entrara na Fameb, tomasse forma definitiva: iria construir uma instituição destinada ao tratamento gratuito do câncer. Não ficaria passivo ante o número de doentes que aumentava a olhos vistos, ano após ano. (SAMPAIO, 2006; SILVA, 2008)

Ainda estudante, assistira a inúmeros casos e devotadamente acompanhava as várias teorias que iam surgindo na Europa e nos Estados Unidos a respeito do câncer. (YOUNES, 2001) Observou que eram por vezes conflitantes. Caminhava-se em terreno pouco conhecido. Por isso, a instituição que criaria deveria possuir não só os mais modernos equipamentos destinados ao tratamento do câncer, como também instalações adequadas para promover o estudo e a pesquisa desse mal que se alastrava pela Bahia. Sabia que o número de pacientes oncológicos era muito maior que o anunciado oficialmente, não só devido à ignorância ou negligência do doente, mas também pela insipiência do conhecimento científico.

Assim determinado, na manhã do dia seguinte, dirigiu-se à Maternidade Climério de Oliveira. Expôs suas ideias ao professor Almir Oliveira, diretor da maternidade e, mais do que isso, seu amigo e catedrático de Obstetrícia na mesma Faculdade de Medicina em que ele havia se formado e, em seguida, passado a ensinar Ginecologia. Sabia que o Dr. Almir também se alarmava com o crescente número de pacientes com câncer que chegavam à maternidade. Pensou ser ele a pessoa mais indicada para apoiá-lo no seu projeto. Equivocara-se. Possivelmente pelo peso do trabalho na maternidade que dirigia, o amigo vislumbrou as dificuldades a enfrentar e esquivou-se. Aristides Maltez insistiu, argumentou com entusiasmo, mas sem sucesso. Retirou-se em silêncio. Não reclamou, mas também não desanimou. (SAMPAIO, 2006)

Alto, elegante, fala mansa e contundente, tinha o poder da comunicação, reforçado por singular magnetismo pessoal. Ainda no começo da década de 30, determinado a conquistar apoio para o seu projeto, dirigiu-se à sede da Faculdade no Terreiro de Jesus e reuniu seus assistentes de cátedra. Sem perceber, Aristides Maltez estava iniciando uma revolução silenciosa que mudaria o quadro da sociedade baiana. Ao lado de 52 profissionais que logrou reunir, fundou, em 13 de dezembro de 1936, a Liga Bahiana Contra o Câncer (LBCC), da qual foi eleito presidente vitalício, estando seus estatutos registrados no Cartório do 1º Ofício, Registro Civil de Pessoas Jurídicas. (LIGA BAIANA..., 2008 a).

Com todo esse empenho, utilizou seu prestígio junto à sociedade para viabilizar a construção do Instituto do Câncer da Bahia, que materializaria os objetivos da LBCC. Em 1939, Maltez precisou realizar uma cirurgia em Dr. Landulpho Alvez de Almeida, Interventor do Estado da Bahia, e recusou-se a receber seu pagamento (LIGA BAIANA..., 2008 a; SILVA, 2008). Em troca, segundo relata a história, fez o seguinte pedido:

Se alguma coisa queira V. Exª fazer por mim, faça pelos cancerosos carentes e ajude-nos a completar os recursos que possui a Liga Bahiana Contra o Câncer, para a construção do Instituto de Câncer da Bahia. (LIGA BAIANA CONTRA O CÂNCER, 2008 c)

Assim, conseguiu o apoio de Landulpho Alves, que solicitou a emissão de bônus do Tesouro Estadual no valor de $103,50 contos de reis que vieram a se juntar aos $196,50 contos conseguidos através de campanhas junto às escolas, aos clubes sociais, ao comércio e a doações próprias, sendo então comprada a Chácara Boa Sorte, amplo terreno no qual seria erguido o sonhado Instituto de Câncer. (SAMPAIO, 2006)

O professor Aristides Maltez participou da colocação da pedra fundamental em 1940 e chegou a atender a pacientes no ambulatório que a Liga improvisara, na sede da chácara. Na ocasião, destacou: "A semente do carvalho está lançada. A sua sombra não será, porém, mais para mim, servirá, sim, para dar abrigo aos cancerosos pobres da Bahia”. (LIGA BAIANA..., 2008 a)

Não pôde, no entanto, ver seu sonho concretizado, por haver falecido, repentinamente, no dia 5 de janeiro de 1943, aos 60 anos. (SOUZA, 1973)

A família de Aristides Maltez sempre teve seu nome ligado à Medicina, seus descendentes seguiram sua tradição e prestígio, formando, até o momento, quatro gerações de trabalhos e contribuições à Medicina. Assim logo após a sua morte, seu irmão, Antônio Maltez, realizou seu maior desejo, continuando o projeto, e, assim, no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro de 1952, inaugurou o Hospital Aristides Maltez (HAM), de caráter filantrópico. As mulheres que Maltez tanto via sofrer não iram mais ficar desassistidas, agora elas já teriam para onde recorrer. (SAMPAIO, 2006)

Em seus 74 anos de existência (1936-2020), a LBCC nunca deixou de funcionar um único dia. Ela é filiada a Union Internationale Contre le Cancer (U.I.C.C.), atuando sempre dentro dos postulados básicos de seu fundador, Prof. Aristides Maltez, de privilegiar a atenção ao canceroso carente.

A LBCC é a segunda entidade mais antiga do País e é mantenedora do primeiro hospital especializado em Cancerologia, filantrópico, ativado no Brasil.

O HOSPITAL ARISTIDES MALTEZ

Após sua morte, Carlos Aristides Maltez, o filho de Aristides, aos 24 anos de idade, foi eleito presidente da Liga Bahiana Contra o Câncer, sendo posteriormente gerenciada pelo seu irmão mais novo, Aristides Maltez Filho, atual presidente da LBCC.

Criado em 2 de fevereiro de 1952, em 1984, com o apoio do Governo, foram construídas as atuais instalações. O hospital atende, na sua maioria, pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). No início, contava com apenas 15 leitos, contando hoje mais de 200. Também são atendidos pacientes de vários Estados. Segundos dados do hospital de 2006, foram realizadas 7.348 novas matrículas, 143.274 consultas, 8.089 internamentos, 6.389 cirurgias, com 70,5% dos pacientes atendidos pelo SUS e 409 municípios do interior atendidos. (LIGA BAIANA..., 2008d; SAMPAIO, 2006)

Em 1976, a unidade de Oncopediatria foi fechada, mas hoje encontra-se prestes a ser reinaugurada. O hospital conta ainda com o Registro Hospitalar de Câncer e Registro de Câncer de Base Populacional, formando um sistema de informação sobre o câncer para toda a comunidade científica. Todos os dados dos pacientes com diagnósticos de câncer são registrados, servindo de fonte para estudos e pesquisas, como sempre desejou seu fundador.

Dentre os serviços prestados pelo HAM, destacam-se os atendimentos aos pacientes oncológicos de várias especialidades (Oncologia Clínica, Cabeça e Pescoço, Mastologia, Ginecologia, Pneumologia, Urologia e Proctologia), os serviços de apoio diagnóstico (Patologia Clínica, Anatomia Patológica, Medicina Nuclear e Radiologia), os serviços de Quimioterapia e Radioterapia, além de suporte aos pacientes através do Serviço Social e da Psicologia. (LIGA BAIANA..., 2008d)

Inegavelmente, o Prof. Dr. Aristides Maltez foi o pioneiro da Oncologia na Bahia, seja como acadêmico, catedrático, profissional médico ou cidadão comprometido e atuante, tornando-se um exemplo para todos. A chama da lâmpada da caridade, acendida por ele na fundação da LBCC, de fato, jamais deverá se apagar no coração dos seus seguidores. Seu nome deverá permanecer na memória dos muitos que desejam realizar o bem e ajudar os mais necessitados. No mausoléu do Campo Santo, onde foi enterrado, está escrito um resumo da sua importância na Bahia: “Grande vulto, certamente, daqueles que honram e dignificam a terra onde nasceram”. (FUNDAÇÃO..., 2008)

Seu nome foi escolhido para ser Patrono na Cadeira nº 12 da Academia de Medicina da Bahia. Esta cadeira teve como Titulares anteriores os confrades Rui de Lima Maltez, Mário Augusto de Castro Lima e o Titular atual é Edvaldo Fahel.

REFERÊNCIAS

BRITTO, Antônio Carlos Nogueira. O cerco e invasão da Faculdade de Medicina da Bahia em 22 de agosto de 1932 pelas tropas do interventor Federal Juracy Montenegro Magalhães (Artigo 63). Faculdade de Medicina da Bahia. História da Medicina. Salvador, 2007. Disponível em: http://www.medicina.ufba.br/historia_med /hist_med_art70.htm>. Acesso em: 8 de agosto de 2008.

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA - FMB. Acta da Congregação de 9 de dezembro de 1932, Salvador, 1932, fl. 4-5; e 7.

FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE MATOS. Salvador cultura todo o dia: áreas culturais. Federação, Campo Santo. Figuras históricas sepultadas no Campo Santo: Aristides Pereira Maltez. Salvador, 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2008.

JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. Memória Histórica do bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (2008) – Volume III – Professores, Funcionários e Alunos da FAMEB. Salvador: FAMEB-UFBA, 2013.

LIGA BAHIANA CONTRA O CÂNCER. Histórico. Salvador, 2008a. Disponível em: . Acesso em: 8 ago 2008.

LIGA BAHIANA CONTRA O CÂNCER. Prof. Aristides Maltez. Salvador, 2008b. Disponível em: . Acesso em: 8 ago 2008.

LIGA BAHIANA CONTRA O CÂNCER. O hospital: histórico do hospital. Salvador, 2008c. Disponível em: . Acesso em: 8 ago 2008.

LIGA BAHIANA CONTRA O CÂNCER. O hospital: serviços técnicos. Salvador, 2008d. Disponível em: . Acesso em: 8 ago 2008.

MALTEZ, José Luiz da Silva. O Nome Maltez em Salvador, Bahia, é sinônimo de medicina. Maltez Genealogical Site, Estocolmo-Suécia, 1995. Extraído de: http://home.swipnet.se/maltez/maltez_medicina.htm. Acesso em: 18 de agosto de 2008.

OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória histórica da Faculdade de Medicina da Bahia relativa ao ano de 1942. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, p. 273-276, 1992.

SAMPAIO, Consuelo Novais. 70 Anos de lutas e conquistas: Liga Bahiana Contra o Câncer. Salvador, 2006.

SILVA, Sandra Cavalcante Sousa da Silva. Admtec (Administração e tecnologia). Terceirização da Saúde. Salvador, 2008. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2008.

SOUZA, Antônio Loureiro. Baianos ilustres. 2 ed. Salvador; Secretaria da Cultura do Estado da Bahia, 1973.

YOUNES, Riad Naim. O Câncer. São Paulo: Publifolha, 2001.

Ronaldo Ribeiro Jacobina.
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia.
Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA.

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