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Antônio Bastos de Freitas Borja
Cadeira: 7
Patrono: Antônio Bastos de Freitas Borja

Antônio de Freitas Borja nasceu em 30 de dezembro de 1878, na Fazenda Candeal na cidade de Feira de Santana, Bahia. Filho de Elvira Bastos de Freitas Borja e Antônio de Freitas Borja, fazendeiro. (SOUZA, 1973; (SEPÚLVEDA, 199; LEITE, 2011)

Impressionou seus pais desde o início da infância pelo talento e inteligência elevada. Para garantir um futuro brilhante e exitosos para o filho, enviaram-no para a sede do município de Feira, onde iniciou sua escolaridade. Depois, foi para o Colégio do Padre Araúo no município de Santo Amaro da Purificação continuar os estudos e, por fim, no Colégio Spencer, em Salvador. (SEPÚLVEDA, 1998)

Em julho de 1897, ele se apresentou como voluntário para ajudar feridos na guerra de Canudos. Foi indicado para atuar na Farmácia do hospital montado na Fameb, no Terreiro de Jesus (SEPÚLVEDA, 1998). Matriculou-se em 1898, na então denominada Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia.

Como estudante demonstrou interesse pelas questões sociais, ingressando na Sociedade Beneficente Acadêmica, sendo eleito Diretor da 2ª Série, depois 1º Secretário e, em seguida, Vice-Presidente da entidade estudantil. Sempre colaborou na assistência aos estudantes pobres (SEPÚLVEDA, 1998). Foram seus colegas de turma Albino Arthur da Silva Leitão, Alvim Martins Horcades, Clementino Rocha Fraga Júnior, Eduardo César Rodrigues de Moraes, João Sabino de Lima Pinho Filho. Alvim e João Sabino serviram como estudantes na assistência aos feridos na Guerra de Canudos. Albino Leitão, Clementino Fraga e Eduardo Moraes, tornaram-se também professores da Faculdade. Alvim Martins Horcades escreveu em belo livro sobre sua experiência como estudante de Medicina na guerra de Canudos. (NEIVA EULÁLIO, 2015)

Foi Interno da 2ª Cadeira de Clinica Cirúrgica (1902-1903), na passagem de Manoel Victorino (1883-1902) para Inácio Monteiro de Almeida Gouveia (1902-1908) como Lente Catedrático na 2ª Cadeira. Graduou-se primeiro em Farmácia e depois em Medicina, ambas na Faculdade de Medicina da Bahia. Sua formatura em Medicina foi em 19 de dezembro de 1903, defendendo a tese inaugural “Os fibromiomas do útero e a cirurgia” (BORJA, 1903), aprovada com Distinção (SEPÚLVEDA, 1998).

Logo depois de formado, em 1904, foi morar no Rio de Janeiro, onde ingressou no Corpo de Saúde do Exército, no posto de 2º Tenente Médico, servindo nas guarnições de Piquete e Lorena, por um período de um pouco mais de dois anos.

De volta a Salvador, em 1907, começou a carreira docente sendo nomeado como Assistente da 2ª Cadeira Cirúrgica (1907-1914). Neste período fez Docência Livre de Clinica Cirúrgica, por concurso (1912), apresentando o trabalho “O esfacelo do intestino delgado nas hérnias inguinais estranguladas e a cirurgia” (BORJA, 1912).

Aqui cabe um destaque: a questão cirúrgica acima era controversa na época, pois alguns cirurgiões propunham a feitura de ânus artificial e outros a resseção da parte gangrenada do intestino seguidos de entero-anastomose. O Prof. Borja, baseado em experiência pessoal de três casos consecutivos operados com sucesso, descritos no artigo, afirma:

[...] não teremos hesitações diante de um caso de hérnia inguinal estrangulada com esfacelo do intestino; faremos sempre a enterectomia seguida da entero-anastomose. E esse nosso desautorizado modo de pensar e agir o mantermos enquanto, pelo constante evoluir das ciências médico-cirúrgicas, não surgir alguma coisa superior, qualquer processo operatório ou método terapêutico que nos force a mudar de ideia (apud SEPÚLVEDA, 1998, p. 428).

Ele regeu interinamente essa 2ª Cadeira Clinica Cirúrgica (1913). Em 1914, por concurso foi Professor Extraordinário efetivo de Clinica Cirúrgica, sua paixão, defendendo a tese “Contribuição ao Estudo do tratamento das peritonites agudas” (BORJA, 1914).

Foi Professor Substituto da 11ª Secção, em 1915. Enfim, tornou-se Professor Catedrático de Clinica Cirúrgica, 3ª Cadeira, de 1916 a 1933. Com sua versatilidade, regeu interinamente a cadeira de Propedêutica Cirúrgica (1916), bem como a 1ª Clínica Cirúrgica em 1921 e em 1925, e a Clínica Urológica, em 1932. (OLIVEIRA, 1992)

Dr. Antônio Borja foi cirurgião do Hospital Santa Isabel da Casa de Santa Misericórdia a partir de março de 1911, depois cirurgião efetivo em 1914, até seu encantamento em 1933, lembrando que, naquela época, este hospital funcionava como o hospital escola da Fameb.

Aqui cabe um registro: para o casamento acrescentou ao nome o sobrenome Bastos, e passou a ser nomeado Antônio Bastos de Freitas Borja, como já está no título da tese inaugural (Fig. 3), em homenagem ao tio materno Felinto Bastos, por quem nutria um verdadeiro amor filial. Casado com Oliva Rocha de Freitas Borja, o casal teve Antônio Bastos de Freitas Borja Filho, que se tornou médico e Assistente de clínica cirúrgica, transferindo-se para São Paulo depois do encantamento do pai; Clovis Rocha de Freitas Borja, bacharel em ciências jurídicas, cujo filho Antônio se formou em medicina, como o avô; Elvira e o caçula Felinto Borja, que também se formou em medicina, tendo se encantado de modo muito precoce (SEPÚLVEDA, 1998).

Com sua paixão pela Cirurgia, procurou acompanhar mais de perto os avanços neste campo da Medicina, frequentando os centros europeus mais famosos da época. (OLIVEIRA, 1992)

Foi um colaborador assíduo da Revista Gazeta Médica da Bahia, órgão oficial da antiga Associação de Facultativos na Bahia, que depois seria denominada “Escola Tropicalista Bahiana” (NAVA, 1948; CONI, 1952). Segue o Quadro 1 com alguns dos artigos publicados na Gazeta, de 1914 a 1924)

Publicou em outras revistas, como Arquivos Brasileiros de Medicina, Brasil Médico, e fez várias comunicações à Sociedade de Medicina e Cirurgia, “onde, tantas vezes, brilhou graças a sua grande casuística e profundos conhecimentos” (OLIVEIRA, 1992, p. 320).

Ao ser escolhido paraninfo da turma de 1925, escreveu “Palavras de Paraninfo”, que infelizmente não está disponível no acervo de nossa querida Bibliotheca Gonçalo Moniz.

Quadro 1: Artigos publicados na revista Gazeta Médica da Bahia: 1914-1924

 N                                    Título                                                                                 Ano

01        Sobre dois casos de estreitamento de esôfago.................................1914-1915

02         Sobre quatro casos de calculose vesical na infância........................1914

03         Moléstia de Recklinghausen ................................................................1915-1916

04        Ablação de sarcoma do pescoço...........................................................1916

05        Hipertrofia da próstata  .........................................................................1916

06        Corpo estranho da rótula  ........ .............................................................1916

07        Esplenectomia...........................................................................................1917

08        Sobre um caso de micetoma de grãos negros....................................1918

09        Sobre um caso de cálculo vesical numa criança..................................1919

10        Considerações em torno de um caso de litíase salivar......................1918-1919

12        Considerações em torno de um caso de aneurisma da virilha.........1921-1922

13       Um caso interessante por ferimento por arma de fogo.....................1922-1923

14      Fístula apendicular......................................................................................1923-1924

Fonte: SANTA’ANNA; TEIXEIRA, 1984; OLIVEIRA, 1992.

No movimento constitucionalista de 1932, que, em artigo já caracterizamos com a imagem do deus romano Janus, com uma face para trás, os latifundiários paulistas do café, e uma face para frente, os democratas que cobravam do Governo Vargas a promessa do retorno ao Estado democrático de direito, com nova constituição (JACOBINA, 2014; JACOBINA et al., 2021). Professores e sobretudo estudantes de Medicina, Direito e Engenharia, depois contando com o apoio dos estudantes secundaristas do Ginásio da Bahia, fizeram uma manifestação “pela volta do paiz ao regimen da lei e da liberdade”, como disse o Prof. Gonçalo Moniz (FMB. Acta da Congregação, 22/08/1932, fl. 03-04). Nessa histórica sessão da Congregação da FAMEB, o Prof. Antônio Bastos de Freitas Borja assumiu uma posição em defesa da democracia, tendo afirmado que “aquelle momento exigia posições definidas, razão porque se não eximia de condenar as ditaduras e enaltecer o regimen constitucional, exercido em plena democracia” (FMB, 22/08/1932, fl. 05; grifo nosso).

Prof. Antônio Borja se encantou em 24 de maio de 1933 (SOUZA, 1973) e seu nome foi escolhido para Patrono da cadeira n. 07, da Academia de Medicina da Bahia, que teve como primeiro Titular Eduardo Dantas de Cerqueira, depois Alexandre Leal Costa, Antônio Carlos Aleixo Sepúlveda e atualmente é o Prof. José Neiva Eulálio.

Sobre o mestre disse o Prof. Fernando Luz:

Na vida profissional soube ser Antônio Borja o protótipo do médico, austero e jovial, prestimoso e solícito, dedicado e desprendido, qualidades que motivaram o imponente espetáculo do seu enterramento, no qual, homens e mulheres, moços e velhos, ricos e pobres, todos unidos pela mesma dor, chorando as mesmas lágrimas, levavam em reverência à última morada o seu corpo inanimado e frio. (Apud OLIVEIRA, 1992, p. 320)

No seu livro “Baianos ilustres”, assim o jornalista e escritor Antônio Loureiro de Souza se refere ao querido mestre:

Homem de vasta cultura médica, por vezes exerceu, interinamente, as cátedras de Urologia e Clínica Pediátrica Cirúrgica. Dos maiores cirurgiões de seu tempo, foi notável médico e professor, venerado pelos discípulos e admirado pelos colegas de congregação. Revestido de grande bondade, eficiente e humanitário, soube valer-se de seu exímio bisturi para exercer a sua benfazeja entre ricos e pobres. Querido e admirado, que lhe reconheciam, ao lado da proficiência magistral, o desassombro cívico, exerceu grande influência na mocidade, que o tomava por modelo e guia. (SOUZA, 1973, p. 254)

Loureiro de Souza ainda destaca o “quilate foi sua ação junto a juventude”, lembrando que o jornalista Nelson Carneiro, por ocasião do encantamento do grande mestre, concitou em artigo publicado, a mocidade a erguer um busto de Antônio Borja na Faculdade de Medicina da Bahia, por ter sido ele “exemplo de altivez e de rara coragem cívica” (SOUZA, 1973, p. 254), como pode ser testemunhado no episódio de 22 de agosto de 1932.

Temos também em sua Memória Histórica de 1942, o depoimento do Prof. Eduardo de Sá Oliveira (1992, p. 320), que diz: “O Dr. Borja, com efeito, era um caráter verdadeiramente impoluto; cidadão de rara bravura; professor sábio na sua especialidade; cirurgião habilíssimo; espírito superior; coração magnânimo”.

Em Salvador, temos no bairro de Nazaré uma travessa com o nome Travessa Professor Antônio Borja; e, em Feira de Santana, tem no centro da cidade uma rua com seu nome: Rua Doutor Antônio Borja.

A família do Prof. Borja permitiu o acesso do Prof. Antônio Carlos Aleixo Sepúlveda, terceiro Titular da Cadeira 7 da Academia de Medicina da Bahia, aos escritos pessoais em cadernos de anotações (SEPÚLVEDA, 1998). Num desses três diários, com registros de fases passadas da vida, o futuro cirurgião e professor Antônio Borja, frio preciso, mostra-se um jovem poeta que cantou em versos a beleza da natureza, em especial, as noites enluaradas de Feira de Santana, cantou a liberdade e o amor, traduzindo em versos os seus mais íntimos sentimentos.

REFERÊNCIAS

BORJA, Antônio Bastos de Freitas. Os fibroyomas do útero e a cirurgia. Tese afim de obter o grão de Doutor em Medicina [Graduação]. Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador -Ba: Litho-Typografia Almeida, 1903.
FMB. Acta da Sessão da Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, realizada em 22 de agosto de 1932. Actas das Congregações: 1931-1932. Salvador: Arquivo Geral da Faculdade de Medicina da Bahia, 22/08/1932. 8fls.
JACOBINA, Ronaldo R. A FAMEB e a revolução constitucionalista de 1932: A Estratégia de ‘Spartacus’ dos estudantes vence a ditadura In: III Colóquio Internacional a Medicina na Era da Informação (Medinfor III), 2014, Salvador, Bahia, Brasil. Caderno de Resumos (anais) do III Colóquio Internacional a Medicina na Era da Informação. Salvador, BA, Brasil: Universidade Federal da Bahia, v.1, 2014. p. 63-64.
JACOBINA, Ronaldo R.; BRITTO, Antônio Carlos Nogueira; PARAÍSO, Carol. Vitória da solidariedade contra o poder autoritário. A Faculdade de Medicina da Bahia e a revolução constitucionalista de 1932. In: REIS, Eduardo F. et al. História da Medicina na Bahia. Salvador: Edufba, 2021? (no prelo)
LEITE, Geraldo. Antônio Bastos de Freitas Borja. Médicos ilustres da Bahia e de Sergipe. 15 de janeiro de 2011. Disponível em: http://medicosilustresdabahia.blogspot.com/2011/01/antonio-bastos-de-freitas-borja.html Acesso em 21/12/21.
NEIVA EULÁLIO, José. “Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia”. Salvador, 03 de dezembro de 2015. Disponível em: https://www.academiademedicina-ba.org.br/discursos/discursos-de-posse/discurso-de-posse-na-academia-de-medicina-da-bahia-de-jose-neiva.html Acesso em 21.12.2021.
OLIVEIRA, Eduardo de Sá Oliveira. Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia concernente ao ano de 1942. Salvador: Gráfica da Universidade Federal da Bahia, 1992.
SANT’ANNA, Eurydice Pires de; TEIXEIRA, Rodolfo. Gazeta Médica da Bahia. Índice Cumulativo: 1866-1976. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1984.
SEPULVEDA, Antônio Carlos Aleixo. “Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia”. Anais da Academia de Medicina da Bahia, Salvador, v. 11, p. 423-435, dezembro de 1998.
SOUZA, Antônio Loureiro de. “Antônio Borja”. In: SOUZA, Antônio Loureiro de Baianos ilustres: 1564-1925. 2ed. Salvador: Governo do Estado da Bahia. Secretaria da Educação e Cultura, 1973. p. 253-254.

Ronaldo Ribeiro Jacobina
Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia.
Titular da Cadeira nº 7 do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Ana Lúcia Albano
Bibliotecária da Bibliotheca Gonçalo Moniz – FMB-UFBA

Salvador, 02 de janeiro de 2022

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