Nasceu em Valença, Bahia, em 29 de julho de 1906, filho de D. Eugênia Peltier de Queiroz e do fazendeiro Eunápio Rosa de Queiroz. Depois dos estudos básicos em sua terra natal, veio para Salvador para os estudos preparatórios e, desse modo, ingressou na Faculdade de medicina da Bahia (FMB, sigla; FAMEB ou Fameb, acrônimo).
Graduou-se em Medicina aos 21 anos, em 1927, na “turma dos notáveis da FAMEB”, da qual fizeram parte também os professores catedráticos Carlos Rodrigues de Moraes (Otorrinolaringologia), Hosannah de Oliveira (Pediatria), Jorge Valente (Urologia), José Silveira (Tisiologia) e o Professor Catedrático Thales de Azevedo da cadeira de Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH-UFBA). Fazem parte dessa turma também José Eugênio Mendes Figueiredo, professor de Patologia Geral e Dr. Diógenes Vinhaes. (TAVARES-NETO, 2008)
Sua tese inaugural foi Breves considerações sobre a physiologia da puberdade na mulher (QUEIROZ, 1927), que consta do levantamento feito por Meirelles e colaboradores (2004).
Após formatura, por motivos pessoais, mudou-se para Vitória do Espírito Santo, onde exerceu a prática médica. (COSTA, 2007) Retornou a Salvador, casando-se com Sra. Luzia Queiroz. Mudou-se para Itabuna, onde além de exercer as atividades clínicas, criou, em 1º de dezembro de 1935, provavelmente a primeira revista médica do interior do Estado da Bahia, os Anaes da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Itabuna. (TAVARES-NETO, 2008; COSTA, 2007)
Com o falecimento da esposa, casou-se novamente com Maria Dalva Soares. Em 1945 fez o concurso para Cátedra de Clínica Ginecológica da FAMEB, antes ocupada pelo Prof. Aristides Pereira Maltez. A pontualidade marcou sua carreira profissional:
A primeira cirurgia tinha de começar exatamente às 7 horas, mesmo quando os canhões do golpe de 64 invadiram as ruas e praças da cidade. Rotina que mantinha graças à eficiência da enfermeira Hyeda Rigaud e a fiel dedicação da senhora D. Antônia, sua ajudante-secretária-assistente-ecônoma. (COSTA, 2007, p. 122)
Clinicou também no Hospital Português. Foi compulsoriamente aposentado da Fameb ao completar 70 anos em 1976. Continuou a exercer a medicina no Hospital Jorge Valente a convite de Jorge Valente Filho, filho do colega de turma.
Foi várias vezes paraninfo dos formandos da FAMEB. Em 1959 agradeceu à turma pelo critério da escolha: “caros amigos, elegendo mestre humilde, sem prestígio e sem fôrça, sem dinheiro e sem poderes, concorrestes para restaurar o significado do instituto da paraninfia”. (QUEIROZ, 1959, p. 4) E, de modo contundente, continua sua fala com uma crítica ao que se passava na Academia e na sociedade como um todo, diz: “nesta hora calamitosa, em que tudo, por aí a fora, se trafica e se barganha, no mercado do interesse e dos acolitismos! ”. Acólito aqui, no sentido daquele que, ao chefe, “para pensar, pede licença”, como registrado no poema A Porta (JACOBINA, 2015, p. 34), numa crítica poética contra a subserviência no “mercado de interesse”, inclusive no ambiente universitário.
Nessa Oração de Paraninfo, que o conselho universitário proibiu de ser transmitida pelo rádio, ele faz um autorretrato: “Homem supinadamente livre, desatado e livre; médico e professor por impulsão profunda do espírito, profunda e incoercível” [...], e que, como fez questão de destacar, entrou na Faculdade de Medicina da Bahia
por concurso de títulos e provas, sem muletas e sem conchavos, abrindo caminho entre duas instituições, em prélio inolvidado. No exercício da cátedra, há 14 anos ininterruptos, hei mantidos, como constantes da vida, a crença no trabalho, a fidelidade à medicina e a fé inabalável na fôrça e nos destinos da mocidade. (QUEIROZ, 1959, p. 4; grifo nosso)
Sobre a escola mater da medicina brasileira diz: “Há 150 anos, forma médicos para o Brasil. E que médicos! Há 150 anos, dá ao Brasil homens de ciência, técnicos, tribunos, publicistas, revolucionários, soldados, até, heróis! [...] em todas as nossas horas críticas e difíceis, ela respondeu: Presente!: na Independência; no Paraguai; em Canudos; nas epidemias e calamidades públicas; na revolução de 32”. (QUEIROZ, 1959, p. 8)
Na Oração de paraninfo numa homenagem anterior, no ano de 1948, ele fez uma reflexão sobre a medicina:
Sabeis que a medicina é ciência, pelos métodos de estudo e observação; e que é arte, pelo papel que nela desempenha a personalidade do médico. Esta influência pessoal jamais desaparecerá da medicina e, por isso, [...] ela estará sempre acima do tecnicismo bitolado e das formações em massa. Mas sabei, também, que, além de ciência e arte, ela é, essencialmente, uma filosofia. A concepção que o médico tenha da vida e do mundo, no sentido filosófico, terá um valor considerável no exercício da profissão. (QUEIROZ, 1948, p. 8; grifos nossos)
Seu encantamento se deu em 9 de julho de 2003. Ainda em vida, recebeu várias honrarias, como a colocação do seu retrato na Santa Casa de Misericórdia em Itabuna, em expressiva cerimônia; e a homenagem no Hospital Universitário Prof. Edgar Santos - HUPES, quando foi fixado seu retrato na sala da chefia da clínica, além de receber uma placa com os dizeres: ‘Mestre e Modelo de incontáveis gerações de Ginecologistas’.
Em agosto de 2003, o CREMEB publicou o texto do Prof. José de Souza Costa, de onde foram extraídos esses trechos: - sobre o Ser humano e o Médico: “Falar do homem Alício é reconhecer o caráter impoluto, a operosidade como médico inteligente e capaz, a firmeza das posições e princípios na vida profissional, social e familiar” [...]; - sobre o Docente: “Falar do professor é discorrer sobre a capacidade de liderança e organização, o entusiasmo no desempenho das atividades de ensino, calcadas em apreciada eloquência bem cuidada didática e exemplar desempenho técnico”. (COSTA, 2007, p. 123)
Em sua Memória Histórica da FAMEB de 1943 a 1995, Prof. Rodolfo Teixeira também dá seu testemunho:
Alício Peltier de Queiroz [na Cátedra de Ginecologia] é, acima de todas as dúvidas, uma afirmativa de valor. Deu um sentido próprio ao ensino e à prática da especialidade. Atraiu assistentes de valor, com os quais criou um centro de ensino da especialidade. [...] Lembra o redator desta memória, da sua enfermaria bem organizada, do ambulatório, das sessões de discussão de casos clínicos, da sua elegância e precisão no ato cirúrgico, nos cursos de pós-graduação que criou e, mais que tudo, na sua vivacidade e inteligência”. (TEIXEIRA, 1999, p. 167-168)
Na segunda década do século XXI, foram criadas na Academia de Medicina da Bahia (AMBa) mais dez Cadeiras, passando de 40 para 50. E o Patrono da Cadeira n. 50 é o Professor Doutor Alício Peltier de Queiroz, que tem a Dr.ª Reine Marie Chaves Fonseca como Titular atual da Cadeira desse sodalício.
Sim, como nos ensinou o médico e escritor João Guimaraes Rosa (1984), em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 1967: “As pessoas não morrem,
ficam encantadas” (p. 469). Pessoa é o sujeito moral, portador de virtudes, portanto, ficam encantadas no coração e na memória pessoas como o mestre Alício Peltier de Queiroz.
Referências
COSTA, José de Souza. Histórico da Ginecologia na Faculdade de Medicina da Bahia. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, v. 77, n. 2, p. 117-124, jul./dez. 2007.
JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. O poeta e lógico: curta poesia curta. Salvador: Étera, 2015.
MEIRELLES, Nevolanda Sampaio; SANTOS, Francisca da Cunha; OLIVEIRA, Vilma Lima Nonato de; LEMOS-JÚNIOR, Laudenor P.; TAVARES-NETO, José. “Teses doutorais de titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928”. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, v. 74, n. 1, p. 9-101, jan./jun. 2004.
QUEIROZ, Alício Peltier de. Breves considerações sobre a physiologia da puberdade na mulher. (Tese inaugural para formatura). Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador, 1927.
QUEIROZ, Alício Peltier de. Oração de Paraninfo proferida na solenidade da colação de grau dos Doutorandos em Medicina a 15 de dezembro de 1945. Salvador: Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, 1948. 17 p.
QUEIROZ, Alício Peltier de. Oração de Paraninfo proferida na solenidade da colação de grau dos Médicos pela Faculdade de Medicina. Salvador: Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, dezembro de 1959. 14 p.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. São Paulo: Círculo do Livro, 1984 [“O autor e sua obra”, p. 467-469]
TAVARES-NETO, José. Formandos de 1812 a 2008 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Feira de Santana-BA: Academia de Medicina de Feira de Santana, 2008. 331p.
TEIXEIRA, Rodolfo. Memória Histórica da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus (1943-1995). Salvador: Edufba, 1999.
Ronaldo Ribeiro Jacobina.
Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA.
Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ-RJ.
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia
Na Cadeira nº 7 do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.